MUSEU DA DANÇA

A beleza revela-se acessória

Imagem: Chonheit ist Nebensache, Foto Bruna Damasceno | Terça, 10 de Outubro de 2023 | por PPG Artes da Cena/UNICAMP |

Por Júlia Ferreira

Com uma sensibilidade e delicadeza sentida desde o início do espetáculo “Schönheit ist Nebensache ou a Beleza revela-se Acessória”, o artista Pol Pi traz para a cena a história de três artistas de diferentes épocas, sendo um músico, uma dançarina e um artista que realiza o cruzamento das duas linguagens. Com um espaço cênico comprido e estreito, no formato de um retângulo, a plateia é disposta em cadeiras nos dois lados maiores. As laterais menores, as quais possuem um suporte que contém folhas organizadas uma sobre a outra, dão apoio para o instrumento que será tocado por todo o espetáculo. Essas laterais com o suporte se tornam essenciais para dramaturgia e narrativa do espetáculo, trazendo e entrelaçando a história de Paul Hindemith (1895-1963), compositor alemão, Dore Hoyer (1911-1967), coreógrafa expressionista alemã, e o artista transmasculino e brasileiro, residente na França, Pol Pi.

As histórias e as obras dos dois artistas alemães são apresentadas de forma intercalada, demonstrando suas características nas falas e nas movimentações, e também na utilização do espaço. Ao tocar, o artista traz  uma expressão forte em seu corpo, sendo uma continuação das notas presentes. Na dança, é apresentado um ritmo na realização dos movimentos, mesmo sem a presença musical. Suas falas, que poderiam ser microfonadas para que o público não perdesse os detalhes, apresentam especificidades que unem essas histórias pelo momento social-histórico. Com a característica dos governos não fomentarem a cultura como proposição política, era visível atos similares de restrições e censuras vindas dos poderes, no Brasil entre 2019 e 2022 e na Alemanha no período dos dois artistas referências do espetáculo. Em suas falas, o artista coloca que não entende muito bem sua admiração e aproximação com Hoyer e Hindemith, mas é possível que essa situação política cultural vivenciada seja o fator aproximador, ao qual através da dança e da música encontraram o meio de externalizar.

O espetáculo é fortemente marcado pela mudança do figurino. Todo preto, Pol Pi utiliza camisa de manga longa, calça social e sapato. Iniciando pela camisa, o artista, após já ter subido as mangas, tira e inverte a colocação. Nas suas costas, há um escrito roxo já borrado pelo suor. No decorrer da cena, a camisa é tirada, depois os sapatos são descalçados, junto com a dobra da barra da calça. Os escritos das costas, que lembram uma partitura ou uma carta escrita a mão, também estão na frente do corpo. Como forma de finalizar o espetáculo, a camisa é recolocada no corpo de uma maneira não convencional, dando outro sentido à peça.

O espetáculo integrante da Bienal Sesc de Dança no ano de 2023, apresentado na Casa do Lago - Unicamp, se destaca pela sutileza e pelas memórias trazidas. O espaço escolhido para a apresentação, à disposição do público, as organizações das cenas retomam a momentos marcantes da história de dois países que dialogam entre si. O corpo presente do intérprete, que sustenta a estrutura escolhida, impõe densidade e qualidade de movimentação refletida em suas falas. Esse espetáculo se sobressai pela profundidade do diálogo entre corpo e palavra, a partir dos momentos históricos percorridos, apresentando uma beleza marcante dentre os diversos espetáculos desta Bienal. 


* Júlia Ferreira é Doutoranda junto ao Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena da Unicamp. Mestre em Artes da Cena pela Unicamp, tendo sido orientada pela Prof.ª Dr.ª Julia Ziviani Vitiello, e sido bolsista Capes. É Bacharel em Dança (2016) e Licenciada em Dança (2017) pela Unicamp. Integra o Grupo Dançaberta dirigido por Julia Ziviani, compondo a equipe de produção artística e executiva e atuando como intérprete-criadora dos espetáculos.

** Esta resenha foi feita dentro da disciplina "Tópicos Especiais em Arte e Contexto: Produção Crítica em Dança", sob a orientação da Profa. Dra. Maria Claudia Alves Guimarães, no Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena da Unicamp. A disciplina teve como foco a 13a. Bienal Sesc de Dança, contando com a parceria do Sesc Campinas. 


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PPG Artes da Cena/UNICAMP

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