Visto negado: a dura reviravolta na carreira internacional do bailarino Luiz Silva

Foto: Christopher Duggan

Mesmo após ser contratado por uma prestigiada companhia de Nova Iorque, artista brasileiro tem sonho interrompido por barreiras migratórias e reflete sobre resistência, frustração e recomeço.

O primeiro contato de Luiz Silva com o balé aconteceu no final de 2008, em Barra Mansa (RJ), através do projeto “Dança e Magia”. Ele tinha apenas nove anos e participou por poucos meses, mas o impacto foi marcante. “Foi ali que a dança entrou na minha vida. Eu não tinha ideia do que era o balé, mas me apaixonei. Fiz minha primeira apresentação com o Quebra-Nozes e nunca esqueci a sensação de estar no palco”, lembra Luiz. Pouco tempo depois, deixou o projeto — mas o encantamento ficou latente.

Em 2012, ele teve uma nova chance de se reconectar com a dança. Participando das finais do festival YAGP (Youth America Grand Prix) em Nova Iorque, sentiu que aquela arte que havia conhecido anos antes podia, de fato, ser sua profissão. “Estar no YAGP foi transformador. Ali percebi que a dança podia me levar além. Eu vi que era possível viver disso, e mais — vi que era onde eu pertencia.”

Desde então, sua trajetória foi marcada por decisões corajosas e momentos decisivos. Depois de uma importante fase na Fundação Porto Real, Luiz passou a integrar a escola do Miami City Ballet. Ele aponta três momentos-chave na construção de sua carreira: a participação no YAGP; o acesso a um currículo de formação profissional com disciplinas como história da dança, jazz moderno, preparação física e repertório; e uma conversa que carrega até hoje no coração: “Minha diretora, Maria Angélica, me disse uma vez: ‘Nunca deixe ninguém tirar o mérito da sua caminhada, mesmo que você tenha tido apoio. A conquista é sua.’ Levo isso comigo em tudo.”

Essa força interior o impulsionou a encarar uma nova oportunidade: a audição para o Dance Theatre of Harlem, em Nova Iorque. A seleção aconteceu em março de 2024, e Luiz foi aprovado. “Receber aquele contrato foi como respirar aliviado. Era a chance de me reencontrar com minha essência artística, de recomeçar em uma companhia com história, com um repertório incrível e em diálogo com coreógrafos contemporâneos. Estava pronto para mergulhar nisso.”

Viver em Nova Iorque não fazia parte de seus planos originais. “Eu vim de uma cidade pequena, então o impacto foi grande. Lembro de chegar pela primeira vez e me sentir engolido pela cidade. Mas também foi inspirador — a arte está em todos os cantos, e comecei a imaginar minha vida ali.”

Foto: Alexander Iziliaev

Um recomeço interrompido: o impacto da negativa de visto

Mas o que parecia ser o início de uma nova fase foi interrompido por uma resposta inesperada: a negativa do visto de trabalho. “Foi um baque. Eu já tinha assinado o contrato, me planejado, reunido todos os documentos. Quando veio a negativa, me senti impotente. Foi como se alguém tivesse apagado um pedaço do meu futuro.”

Mesmo após enviar documentos adicionais e vídeos que comprovavam sua experiência e trajetória, o visto foi negado sob a justificativa de que ele não se enquadrava nos critérios exigidos. “A sensação foi de injustiça. Eu apresentei tudo o que me pediram. Tive o apoio da companhia, do sindicato, e mesmo assim disseram não. É duro perceber que, mesmo com talento e preparo, existem barreiras que não têm a ver com você, mas com o sistema.”

Luiz compartilha que essa situação o obrigou a parar e repensar tudo. “Fiquei muito mal. Eu deixei o Miami City Ballet acreditando que voltaria para os Estados Unidos. Quando o visto foi negado, minha estrutura desabou. Tive que reavaliar meus sonhos, meus planos e até minhas crenças. Foi um momento de muita reflexão.”

Ele também destaca o cenário político como um agravante. “Desde a campanha presidencial, senti que coisas difíceis viriam. A nova política migratória é dura, e a verdade é que atinge principalmente imigrantes como eu — artistas, profissionais, estudantes. Existe um discurso de exclusão que vem disfarçado de critério técnico, mas sabemos que há algo mais profundo ali.”

De volta ao Brasil, Luiz encontrou apoio na família e nos amigos. “Estar em casa me ajudou a respirar. O carinho das pessoas aqui é diferente, é acolhedor. O Brasil tem seus desafios, mas também tem uma potência criativa enorme. Talvez seja a hora de investir aqui, de construir algo no meu país.”

Ainda assim, ele não descarta novas oportunidades internacionais. “A dança me ensinou a ser resiliente. Ainda quero trabalhar fora, sim. Mas hoje entendo que não existe só um caminho. O mundo é grande, e a arte não tem fronteiras. Onde houver espaço para a dança, eu vou estar.”

Com coragem, sensibilidade e o desejo de seguir inspirando através da arte, Luiz Silva continua seu caminho. “Eu sigo dançando. Sigo acreditando. E sigo preparado para o que vier.”

Carol Contri

Carol Contri

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Fundadora e Diretora Artística do Espaço Co.Art e da Cia Co.Art de Dança Contemporânea, formada em ballet clássico pelas metodologias Vaganova e Cubana e em Dança Contemporânea. Cursou Metodologia Vaganova pela Escola do Teatro Bolshoi Brasil e docência em dança contemporânea pela EDASP – Escola do Theatro Municipal de São Paulo. Jornalista, licenciada em Letras, Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Anhembi Morumbi e Especialista Letras – Processos de Ensino e Aprendizagem pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.  Professora de ballet clássico e dança contemporânea.