
Carol Lancelloti – Crédito Letícia Vazquez
Bailarina adulta, fotógrafa de grandes nomes do balé e especialista em branding, Carol Lancelloti compartilha sua jornada na dança, sua paixão por capturar momentos mágicos no palco e a importância da construção de identidade no mundo digital.
Começar no balé na idade adulta pode parecer um desafio intimidador, mas para Carol Lancelloti, foi o início de uma trajetória apaixonante. Ao longo de 16 anos dedicados à dança, ela não apenas conquistou seu espaço como bailarina adulta, mas também se tornou uma fotógrafa renomada no meio, registrando grandes estrelas do balé mundial. Além disso, Carol se especializou em branding, ajudando bailarinos, escolas e companhias a fortalecerem sua presença digital. Neste bate-papo, ela compartilha sua história, os desafios enfrentados e sua visão sobre o futuro da dança no mundo conectado.
Você começou a dançar como bailarina adulta. Como foi essa jornada e quais foram os principais desafios e descobertas nesse caminho?
Sempre gostei de dançar desde criança. Enquanto eu não suportava esportes, dançar era algo que me fazia feliz. Desde pequena, adorava criar coreografias e decorar as que via em clipes e apresentações. Aos 11 anos, fiz aulas de jazz por um curto período, me apresentei uma única vez e logo migrei para o hip-hop. Também tentei ginástica artística, pois sempre fui flexível, mas, como sou um pouco medrosa, acabei voltando para a dança.
O hip-hop foi a primeira modalidade que pratiquei de forma consistente durante toda a adolescência, até os 18 anos, participando de apresentações e competições. No entanto, eu sempre fui apaixonada pela estética do balé. Aos 16 anos, vi que uma menina da minha idade havia começado e pedi para minha mãe para entrar também, mas ela disse que eu precisava escolher entre hip-hop e balé. Como não havia muitas oportunidades para iniciantes mais velhos, acabei deixando esse sonho de lado.
Só anos depois, quando tinha entre 20 e 21 anos, comecei a ver mais informações sobre balé adulto. Li uma matéria sobre uma bailarina adulta e, pouco tempo depois, vi um anúncio em um shopping sobre uma escola que oferecia aulas para iniciantes. Isso me motivou a experimentar e, já na primeira aula, senti que pertencia àquele ambiente. Foi em 2009, e desde então nunca mais parei.
Claro, tive alguns períodos em que precisei me afastar por questões financeiras ou falta de tempo, mas nunca fiquei mais de um ano sem dançar. Hoje, já são 16 anos de balé adulto. Eu brinco que sou “formada” nisso, de tanto que já estudei e pratiquei. Comecei do zero, sem saber absolutamente nada, mas por alguma razão o balé sempre me pareceu familiar, como se eu já tivesse vivido aquilo antes. Mesmo sem conhecimento técnico no início, eu compreendia os movimentos e a estética rapidamente, e isso me ajudou a evoluir.
Após um ano e meio, minha professora percebeu que eu estava pronta para entrar nas pontas, mas, como não havia aulas de ponta para adultos, precisei migrar para uma turma de básico com meninas de 11 e 12 anos. Permaneci ali por um tempo até encontrar uma turma mista com pessoas da minha idade e, mais tarde, uma turma exclusiva para adultos com experiência.
Felizmente, nunca enfrentei preconceito da minha família ou amigos. Sempre tive apoio e oportunidades para me apresentar no palco. Meu maior desafio foi interno: lidar com minhas dificuldades e inseguranças. Sempre tive problemas com memorização e agilidade para aprender sequências de passos, o que me fazia sentir incapaz. Houve momentos em que saí da aula chorando, achando que não era boa o suficiente. Demorei anos para superar essa autocrítica e aceitar meu próprio ritmo de aprendizado.
Pensei em desistir duas vezes: a primeira quando comecei as aulas de ponta e me senti deslocada; a segunda, quando comecei a ter aulas com meu marido (que na época ainda não era meu marido), pois ele era muito exigente e corrigia aspectos que nunca haviam sido ajustados antes. No fim, essas dificuldades me fortaleceram e me fizeram enxergar o balé de forma mais consciente e madura.
Você já fotografou grandes nomes do balé, como Marianela Nuñez e companhias renomadas como o Royal Ballet e a CNB. Como é estar nos bastidores dessas grandes produções e capturar a essência da dança através das lentes?
Consigo separar bem minha postura profissional da de fã, mas sempre tem aquele momento de emoção. Às vezes, só me permito sentir depois, quando saio do teatro ou quando vejo as fotos e a ficha cai. Outras vezes, antes mesmo de um trabalho, como quando descobri que ia fotografar a Marianela no Teatro Colón – chorei muito nesse dia.
Levo meu trabalho muito a sério porque tenho um sonho: ser uma fotógrafa de dança reconhecida mundialmente. Venho construindo isso há mais de 10 anos, fotografando desde que comecei no balé. É um caminho de degrau em degrau, um contato levando a outro, sempre com ética e profissionalismo. Muitas vezes, é preciso começar sem remuneração, para que as pessoas conheçam seu trabalho. Ainda estou no meio dessa trajetória, mas sei que é uma questão de tempo e construção.
Mudar para a Europa foi parte desse plano. Claro, busquei também qualidade de vida e segurança, mas principalmente saí do Brasil para investir no meu sonho. No Brasil, já não via mais para onde crescer nessa área. Foi uma decisão difícil, porque sinto falta da minha família e do Theatro Municipal do Rio, mas necessária para evoluir profissionalmente.
No dia a dia, preciso equilibrar emoção e foco. Imagine estar no Royal Ballet fotografando um ensaio e, de repente, Alessandra Ferri passa por você? Tem que respirar fundo e seguir. Uma vez, saindo de uma sala para ir ao banheiro, segurei a porta para Osipova passar. Nesses momentos, o modo profissional precisa prevalecer, mas por dentro é uma felicidade imensa.
Olhar para trás e ver de onde comecei é emocionante. A Carol de 2009, que começou o balé como adulta e assistia vídeos no YouTube das grandes companhias, jamais imaginaria tudo isso. No início, não conhecia ninguém. Eu mesma tomei a iniciativa de mandar e-mails, como para a loja da Ana Botafogo, oferecendo meu trabalho. Depois de alguns anos, minha professora, que conheceu a primeira bailarina do TMRJ, Cláudia Mota, me pediu para gravar em vídeo um depoimento dela e essa foi minha abertura para o Theatro Municipal.
A internet também teve um papel fundamental, principalmente na pandemia. Sempre mandei mensagens apresentando meu trabalho e perguntando se poderia fotografar bailarinos em viagens. Às vezes, recebia um sim, outras um não, mas nunca deixei de tentar. Meu contato com a Maria, por exemplo, começou online. Ela sempre foi muito receptiva e, anos depois, nos encontramos no Colón para fotografá-la.
Cada novo trabalho é um presente. Sempre chego com brilho nos olhos, grata por estar ali. Para mim, cada oportunidade é o universo permitindo que eu realize meu sonho de artista, que é fotografar a dança. E sou extremamente dedicada para que as pessoas queiram trabalhar comigo de novo. Esse encantamento nunca vai embora.
Carol Lancelloti fotografando a bailarina Leticia Dias para a Só Dança. Credito Amanda Braide.
O branding é essencial para artistas e projetos culturais. Como você enxerga a construção da identidade de bailarinos, professores e companhias de dança no mundo digital?
Eu vejo isso como algo fundamental, principalmente na era digital em que vivemos. Hoje, é muito difícil divulgar sua escola, seu trabalho ou até mesmo construir credibilidade se você não estiver presente na internet de alguma forma. Sei que muitos profissionais da dança ainda são amadores nesse sentido ou até resistentes. Claro, os contatos offline são preciosos—é onde conhecemos pessoas incríveis e criamos conexões valiosas.
Mas, se essas pessoas não estiverem na internet, uma grande fatia do público, especialmente a nova geração, nunca vai saber que elas existem. E isso é triste. Eu falo muito sobre isso com uma amiga: precisamos trazer os grandes mestres, os grandes nomes da dança para o online. Algumas escolas já fazem isso muito bem, mas ainda são poucas. Nem todos os grandes pesquisadores e mestres estão presentes no digital, e eles precisam estar. Assim, conseguimos alcançar mais pessoas e ajudar a internet a sair um pouco dessa superficialidade estética e técnica que vemos hoje, dominada por influenciadores.
Eu tento sempre atuar como mentora para marcas de dança, desde perfis individuais até escolas e empresas maiores. Quero que o ambiente da dança se torne mais profissional, que saia desse modelo de permutas e baixa valorização. Isso vale tanto para os bailarinos quanto para outros profissionais, como fotógrafos. Acredito que o mercado da dança tem muito valor e gera dinheiro, mas para aqueles que sabem como estruturar isso de forma séria. Se não colocarmos esse conhecimento nas mãos das pessoas certas, quem vai ocupar esse espaço são marqueteiros com uma visão superficial da área.
No fim das contas, meu trabalho contribui para mudar esse cenário. Quero levar informação de qualidade e ajudar marcas a se tornarem mais conscientes sobre o valor que podem oferecer dentro do mundo da dança. É fundamental saber se comunicar com propriedade, investir na sua imagem e no seu profissionalismo. Isso eleva o mercado como um todo e coloca no mapa as pessoas que realmente devemos prestar atenção.
Foi assim que comecei: cuidando da identidade das minhas próprias marcas. Com o tempo, as pessoas começaram a notar e a me chamar para ajudá-las. Hoje, atendo várias marcas dentro do universo da dança, desde lojas de balé até marcas de fitter. É muito gratificante! Quando vou a Joinville, por exemplo, passo pelos estandes e vejo: “Essa foto fui eu que fiz. Essa logo também.” São pelo menos umas cinco marcas que ajudei a construir e diversos ensaios fotográficos presentes ali. Isso me mostra que estou no caminho certo.
Muitos adultos sonham em dançar, mas acham que já passaram da idade. Que conselho você daria para quem tem vontade de começar o balé mais tarde?
Meu melhor conselho para quem quer começar o balé mais tarde vem de algo que eu mesma aprendi sobre mim. Houve um período em que eu era muito crítica e ansiosa com minha evolução na dança—ou, melhor dizendo, com a falta dela. Mas aí parei para pensar: “Para quem você está fazendo isso? Você é profissional? Não. Quer ser profissional? Também não.” E, sinceramente, começar a treinar balé aos 21 anos com o objetivo de se tornar profissional seria quase impossível.
A carreira no balé, como todo mundo sabe, começa cedo por diversos motivos. Então, por que eu estava me cobrando tanto? Eu devia algo a alguém? Não. Eu estava dançando para mim. Fazendo isso porque me fazia feliz. Quando entendi isso, parei de me criticar tanto, parei de achar que era “ruim” no balé. Claro que sempre me dedico, mas dentro do tempo que eu tenho. Trabalho, tenho minha vida, pago minhas contas—e o balé está ali para ser um prazer, não um peso. Se está se tornando desgastante, se está te cobrando mais do que te dando alegria, tem algo errado.
Isso vale especialmente para bailarinos adultos sem intenção de seguir carreira profissional. E, mesmo que você queira se aprofundar, hoje existem caminhos para isso. Você pode, por exemplo, se formar em métodos como o RAD ou fazer uma pós-graduação em ensino do balé. Mas, independentemente disso, é essencial entender que seu tempo é diferente do de quem começou criança. Comparação não faz sentido. Seu corpo é diferente. Seu processo é diferente.
O mais importante é começar por você e para você. Quando a gente é adulto, ninguém paga nossas contas, ninguém tem o direito de julgar nossas escolhas. E, convenhamos, precisa de muita coragem para iniciar uma atividade como o balé, uma das danças mais difíceis, numa idade mais avançada. Só por isso, você já está sendo ousada, já está realizando um sonho.
Então, simplesmente comece. E sem grandes expectativas. Muitas vezes, quando nos permitimos dar o primeiro passo sem pressão, coisas incríveis começam a acontecer pelo caminho.
Entre tantas viagens e experiências no mundo do balé, qual foi o momento que mais te emocionou e fez você perceber que estava no caminho certo?
É difícil escolher um único momento, fui muito abençoada e, também, corri muito atrás. Acho que é sempre um pouco dos dois, sabe? Mas, se eu tivesse que destacar dois momentos que realmente marcaram minha trajetória, seriam estes:
O primeiro foi quando tive a oportunidade de fotografar a Marianela no Teatro Colón. Quando ela me deu o “ok” e confirmou que eu poderia fotografá-la, eu simplesmente me sentei no chão da minha sala e chorei de felicidade. Foi uma conquista gigantesca para mim.
O segundo foi a primeira vez que entrei no Royal Ballet para fotografar. O Royal sempre foi minha companhia favorita, então aquele momento foi extremamente significativo. Lembro que minha primeira entrada lá foi para fotografar um ensaio, tanto um ensaio pessoal quanto um de coreografia, tudo acontecendo quase ao mesmo tempo. Aquela foi minha estreia profissional dentro da companhia, e isso marcou minha vida de uma forma muito especial.
E o mais incrível é que sempre existem novas “primeiras vezes” por lá. A primeira vez que fotografei um ensaio de palco, um stage call… cada retorno ao Royal, cada novo contato, cada bailarina diferente que fotografo, tudo isso continua sendo emocionante. Mas, sem dúvida, fotografar a Marianela no Colón e minha primeira vez no Royal Ballet foram momentos que me fizeram ter certeza de que eu estava no caminho certo.
Bailarina Marianela Núñez. Crédito Carol Lancelloti.
Muitos bailarinos acreditam que a única carreira possível na dança é a do palco. Como você enxerga outras vertentes profissionais dentro desse universo, como fotografia, marketing e produção?
Bom, eu sou a prova viva de que existem muitas outras vertentes dentro da dança. Por isso, acredito que profissionais como pesquisadores, idealizadores e produtores de grandes eventos e festivais, fotógrafos e jornalistas deveriam ser mais reconhecidos.
Muitas vezes, esses profissionais estão tão focados no trabalho em si que acabam deixando de lado a divulgação e a comunicação do que fazem. E eu entendo totalmente – a parte de marketing e redes sociais é desafiadora, até para mim. Eu faço porque preciso, mas nem sempre é fácil.
O problema é que, como esses profissionais não estão tão presentes na internet, a maior parte do que se vê sobre dança online vem dos bailarinos, especialmente dos que estão em formação. Isso acaba criando a impressão de que a única carreira possível na dança é a do palco.
Por isso, acho essencial que haja mais divulgação sobre essas outras carreiras e que esses profissionais aprendam a se posicionar melhor no mercado, tanto online quanto offline. Essa entrevista, por exemplo, é incrível justamente por isso: abre os olhos das pessoas para novas possibilidades dentro da dança.
Hoje, 80% do meu trabalho está ligado à dança, e, ainda assim, eu não sou bailarina profissional. Isso mostra que há, sim, muitos caminhos possíveis para quem ama esse universo.
Hoje, com o digital, bailarinos e profissionais da dança têm mais oportunidades para construir sua própria marca e explorar diferentes carreiras. Que dicas você daria para quem quer expandir sua atuação além das aulas e apresentações?
Acho que para bailarinos essa questão pode ser um pouco delicada, porque a carreira da dança exige muito tempo e energia. Então, colocar sobre si a pressão de ser algo além de bailarino pode ser complicado.
Para aqueles que querem gerir melhor sua marca e suas oportunidades, eu recomendaria buscar uma equipe de management, um empresário ou alguém responsável por essa parte. Hoje, existem empresas especializadas nisso – uma das minhas clientes, por exemplo, trabalha exclusivamente com gestão de carreiras de bailarinos.
Ter um profissional cuidando da sua marca ajuda na negociação de contratos, na organização de viagens para ensaios e sessões de fotos e até na escolha de parcerias, como contratos de embaixador para marcas. Isso evita que o bailarino perca tempo com burocracias e possa focar no que realmente importa: a dança.
Se o objetivo for criar um negócio próprio, como um curso ou uma marca de roupas, eu aconselharia que isso fosse pensado para o pós-carreira. A não ser, claro, que a pessoa tenha energia de sobra para conciliar tudo ou recursos suficientes para montar uma equipe que gerencie o negócio enquanto ela toma apenas as decisões finais. Caso contrário, pode ser um desafio grande demais.
Mas essa é uma percepção muito pessoal – cada bailarino precisa avaliar o que faz sentido dentro da sua rotina e dos seus objetivos.
Você pode acompanhar o trabalho de Carol Lancelloti nas redes sociais @carollancelloti @meiaponta