LABORATÓRIO DA DANÇA

Audiodança: um diálogo entre gesto, som e experiência na dança contemporânea

Imagem: Bernhard Leitner’s Soundcube, 1969 | Sábado, 28 de Outubro de 2023 | por Gabriel Paleari |

Em abril tive o prazer de entrevistar o Marcelo Sena, multiartista, dançarino, músico, jornalista e diretor da Cia Etc., para o Podcast Estranha Conversa. Durante nosso debate, apresentou-se a ideia da audiodança, e suscitou a vontade de compartilhar aqui na Coluna de Dança algumas reflexões que fizemos.

Definições sobre o tema e reflexões.

Desde que conheci o conceito (isso foi na residência artística no ano de 2021 pelo Centro de Referência em Dança de São Paulo, ministrada pelo Marcelo Sena), iniciei uma reflexão sobre as possibilidades do gesto e as suas reproduções. A minha explicação favorita (e você pode conferir mais explicações no site da Cia Etc.) é:

O ÁUDIO e a DANÇA já possuem uma coisa em comum: o movimento. Quando pensamos em áudio também nos lembramos dos movimentos das ondas sonoras, onde facilmente podemos encontrar a dança. Se misturarmos as duas coisas, o que é mais provável de aparecer?” (Por enquanto o que é audiodança, por Elis Costa)

Se misturarmos os dois, o que pode acontecer? Pergunta interessante quando percebemos que estamos o tempo inteiro imersos em sons urbanos, da natureza, da tecnologia, ruídos de todas as qualidades. A primeira coisa que gostaria de pontuar é: a audiodança permite e potencializa a criação de simulacros, apresentando em cada proposta uma maneira onde o som e as nossas interpretações em relação a ele constroem-se em uma lógica de sensações.

E citando novamente a bibliografia da Cia Etc: “A forma da dança, para a audiodança, está no percurso poético-sonoro que pretende mover o ouvinte que repousa”. Logo, esse formato, é um convite para experienciar no corpo uma “ventura” imaginária e sensitiva. O ponto que gostaria de destacar são as aproximações entre o áudio e a dança que imbricam em uma reflexão sobre as potencialidades do gesto.

O que poderia ser um gesto em áudio? O gesto na dança contemporânea está próximo ao que o Antonin Artaud compreende como hieróglifo, ou seja, a construção de uma linguagem por si só; movimentos que dizem sobre si mesmos e não necessariamente uma representação de afeto ou sentimento. O gesto é o signo em máxima potência e, se pudéssemos descrevê-lo, deveríamos começar a excluir o seu grau de representatividade para focar em observar o tônus muscular, espacialidade e ritmo que o compõem. O seu significado é composto pelo seu contexto e seus vários níveis de leitura sobre a mesma ação. 

O que isso quer dizer? O som e gesto, na audiodança, se encontram por meio das formulações de sentido que captamos através da percepção. Assim, ocorre uma transferência do campo gestual de um espetáculo para uma dimensão diferente: os fones de ouvido ou caixas de som. 

Enfim, chegamos ao ponto que eu gostaria, que é a experiência na dança contemporânea. No artigo “O corpo do bailarino”, José Gil descreve um paralelo que ilustra bem o que quero tentar dizer nesse texto: 

“Olhando uma dança você não vê o que está fisicamente diante de você - pessoas fazendo giros rápidos ou torcendo seus corpos; o que você vê é o desdobramento de forças interagindo” (O corpo do bailarino, conferência apresentada para a Universidade de Columbia, Nova York, no ano de 1999). 

Gil não pensa sobre isso sozinho, conta com um artigo do ano de 1957 da autora Susanne Langer. A questão que o Gil pontua está ligada ao fato de que o corpo ao dançar vai além da representação e que, ao ver esse corpo em cena, vemos linhas de força e potência interagindo. O que me interessa nesse parágrafo é essa interação, tanto do corpo que cria o gesto, quanto do corpo que acompanha e assiste esse gesto. Tudo isso só é possível graças à percepção. 

A sensação e a percepção na audiodança são protagonistas de uma experiência compacta, a obra em si, se presentificando a cada play. E por fim, não é só quem compôs a dança, mas quem escuta também dança. Atravessado pelo som que se aventurou na imaginação, sensação e percepção do ouvinte. 

Logo, a audiodança é uma extensão do que chamamos de dança, transferindo essa experiência para o outro em formatos digitais. O ponto crucial que queria chegar é que: a audiodança compartilha experiências únicas do corpo que dança, de uma maneira não representativa, pois não escuto o corpo dançar, eu danço enquanto escuto. Pensamos nisso como uma forma de compreender a dança contemporânea em seu contexto mais geral possível.

Bernhard Leitner’s Soundcube, 1969


A dança compartilha experiências singulares sobre o mundo.

Pensar a dança nesse prisma pode contribuir para pensar os processos criativos como uma abertura de experiências mais aprofundadas com o público, compartilhar percepções e visões que nos formam como humanos, além de demonstrar subjetividades no abstracionismo das ações, dos ritmos e do movimento. Dançar à luz da inconstância e da efemeridade de uma visão mutável das emoções, em um gesto que só se repete uma vez.

Assim, a dança é uma experiência compartilhada sobre a vida e as nossas experiências. É fascinante pensar essa linguagem como um modo de compartilhar sensações e estabelecer relações únicas com as pessoas. E vocês leitores? O que acham dessa ideia sobre a dança?

Meu nome é Gabriel Paleari e agradeço por ter lido até aqui! Sou apaixonado pela pesquisa em dança e na experimentação constante da linguagem artística. Me acompanhe aqui na Coluna de dança do Portal Mud, e vamos juntes refletir sobre a dança e as formas de criar nesse mundo! Até a próxima.

Publicado por :



Gabriel Paleari

Ator, dançarino e pesquisador



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