LABORATÓRIO DA DANÇA

Motor Imagery: Imaginação na dança para além da mente

Imagem: Sergey (Merlin L.) Katyshkin no Pexels | Quarta, 06 de Outubro de 2021 | por Maercio Maia |

A imaginação na dança como um processo e ferramenta de aprendizado esteve durante muito tempo unicamente relacionada com experiências ligadas à infância. Ao passo do amadurecimento do indivíduo, ela é gradativamente substituída por uma racionalidade tecnicista apoiada em elementos mais concretos e cada vez menos subjetivos. No caso da dança, os jogos, brincadeiras e histórias utilizadas nas aulas  para crianças aos poucos dão lugar as indicações das dinâmicas ósseo-musculares, da técnica em si e do aperfeiçoamento a partir da razão e do intelecto.

Nesse cenário, ao distanciar movimento imaginado e movimento realizado, é possível enxergar uma cisão entre o treino do artista da dança e sua prática como criador e intérprete que, ao meu ver, não deveriam estar dissociadas. Digo isso, pois, em alguns casos, o bailarino passa suas primeiras horas do dia preparando seus músculos e articulações para após poucas horas depois ser requisitado em forma de expressividade, de sentimento e por sua possibilidade de criar imagens com o corpo. Esse texto, porém, não irá se ater aos impactos dessa separação na cena, mas como o uso contínuo da imaginação tem apresentado ser um elemento importante no treino da dança, tanto para aqueles que buscam performance, quanto para outros que buscam se recuperar de lesões ou estabelecer um treino de manutenção para o corpo. 


Vamos lá, imaginando cada passo

Partindo do termo em inglês Motor Imagery (MI), o compreendemos como o processo mental de se imaginar um movimento sem que haja em si uma resposta motora no corpo. O termo para a neurociência traz à luz uma série de integrações de processos ligadas ao movimento humano: sistema espelho e anti-espelho, sensação, percepção e memória, para citar alguns. Reside nessa rede complexa de elementos a relevância do uso de MI no treino com o movimento.

O interesse em se estudar MI surge sobretudo com estudos que indicaram uma reorganização e reabilitação do sistema nervoso na presença de treinos com MI em pacientes com prejuízos motores (Dickstein, R., & Deutsch, J. E., 2007). Essas evidências começaram a surgir em pacientes em processos de reabilitação de danos de acidentes vasculares encefálicos, lesões medulares, Parkinson e dor crônica. Sem dúvida, esse público foi e ainda é importante para levantar a importância sobre o tema, mas aqui nos interessa refletir sobre o público saudável que se utiliza de MI em sua prática de movimento e, ainda mais, para o recorte da dança. Afinal, o uso de imagens em conexão com movimentos não é nenhuma inovação da neurociência.

Quando pensamos então no treino associado com MI para a performance, alguns trabalhos já apresentaram resultados positivos no desempenho em velocidade, força e mobilidade. Em todos eles o treino de MI esteve associado ao tradicional ou, na melhor das hipóteses, estabelecido de forma integrada com a técnica base.


Ok, mas como de fato ocorre esse treino imaginativo?

De forma simplificada existem duas formas de se usar MI: uma associada à visão, em que criamos uma auto-visualização da imagem e, a segunda, ligada à cinestesia, relacionada as sensações implicadas pela ação, ou seja, pelo movimento. A forma visão de MI pode ainda ser definida como externa e, a forma cinestésica como interna. Essas definições não possuem um acordo na literatura. De qualquer forma, a abordagem visual em MI traz a capacidade do indivíduo em projetar uma imagem em seu próprio imaginário, ao passo que na abordagem cinestésica o indivíduo atua mais especificamente com os estímulos do sistema somestésico elucidados pelo movimento.

A respeito dessa distinção seria possível correr em uma longa discussão sobre, pois, várias lacunas se abrem quando tentamos estabelecer fronteiras entre cada um dos processos, nesse contexto é importante lembrar que tal distinção é em muitos casos didática. Desta forma, continuemos com o assunto principal sem ir mais a fundo sobre este tópico.

Até aqui, agrupamos alguma informações gerais sobre MI e seus possíveis usos. O que de fato sabemos até aqui sobre o tema e como de maneira prática esses estudos poderiam ser aplicados na rotina do artista da dança?


As DNI’s

Uma das possibilidades vem sendo estudadas pelo Método Franklin com o uso do que intitulam como DNI’sTM (Dinamic Neurocognitive Imagery). Em poucas palavras, as DNI’sTM utilizam da abordagem de MI para o ganho de performance, para a reabilitação e para o bem estar. Os estudos que se utilizaram das DNI’sTM apresentaram bons resultados no desempenho motor de participantes com Doença de Parkinson e em tarefas específicas da dança clássica como o develloppé em um estudo com estudantes universitários de dança sem prejuízos de movimento. Essa abordagem é uma das formas bem estruturadas de como a imaginação é aplicada na dança.


Exemplo de DNI – Imagem original Franlin Method ©


É importante ainda ressaltar que as DNI’sTM propostas pelo Método Franklin não se configuram como a única possibilidade de uso de MI no treino corporal, apresentando em si, uma alternativa codificada e com um diálogo bem próximo com a dança, mas que não exclui outras possibilidades de abordagens dentro do escopo de MI. As próprias ideias da Ideokinesis, estruturada por Lulu Sweigard na década de 1950-60 em razão dos estudos de Mabel Todd nos anos de 1930-40 apresentam outro meio de se utilizar da imagética.


Como tudo isso se relaciona com a técnica de dança?

Imaginar, para tudo o que foi dito até aqui, não isola de um lado o conhecimento técnico e anatômico das possibilidades de criação subjetivas, ao contrário, criam em si um elo muito próximo e que é mutuamente alimentado.

As abordagens de MI apresentam resultados quando se orientam a partir do movimento funcional do corpo humano e suas pontes com a técnica. Nesse sentido, é importante conhecer sobre anatomia, biomecânica, fisiologia, neuromotricidade e, por último mas não menos importante, técnica de dança. As orientações que auxiliam a prática de MI buscam entender como essa integração de saberes pode, por exemplo, imaginar a bacia como uma borboleta para se alcançar a liberdade dos ilíacos durante a marcha, perceber a medula como uma estrutura flutuante dentro da coluna para conquistar uma fluidez do tronco, incluir a imaginação de células coreográficas (trechos de movimento) como propostas de “marcação” nos ensaios. Enfim, existe uma infinidade de aplicações dentro desse universo e cabe a cada método ou profissional estabelecer as que melhor se adaptam para o contexto e objetivos do corpo em questão.


Como a imaginação afeta minha dança?

No encéfalo humano as áreas que respondem quando imaginamos o movimento são muito próximas às áreas que respondem quando realizamos o movimento. Esse é um dos elementos que talvez possam nos ajudar a entender porque imaginar é tão importante para mover. Isso não encerra em si a explicação para o que é observado de tão valioso nesse processo, além disso, a integração entre a informação sensorial e a atenção no processo de aprendizado motor estabelecem outro eixo para ser sustentada a prática de MI.

O fato é que agimos de forma integrada o tempo todo: movimento, sensação, percepção, memória, desejo e tudo mais que nos compõe quando dançamos. Talvez por isso que não só se observam ganhos no desempenho motor mas como também a melhora da atenção, diminuição da ansiedade e a percepção do bem estar dos participantes dos estudos.

É hora de acessarmos o imaginário em nossas rotinas de movimento, da lesão à performance e do estudo técnico ao palco. Assim, fazendo a imaginação na dança encontrar o movimento imaginado e o dançado com o mundo em que se dança.


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Referências:

Dickstein, R., & Deutsch, J. E. (2007). Motor Imagery in Physical Therapist Practice. Physical Therapy, 87(7), 942–953. doi:10.2522/ptj.20060331 

Abraham, A., Hart, A., Andrade, I., & Hackney, M. E. (2018). Dynamic Neuro-Cognitive Imagery Improves Mental Imagery Ability, Disease Severity, and Motor and Cognitive Functions in People with Parkinson’s Disease. Neural Plasticity, 2018, 1–15. doi:10.1155/2018/6168507

Publicado por :



Maercio Maia

Neurocientista e Bacharel em Ciência e Tecnologia



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