Dança, esporte e o break nas olimpíadas

Na próxima Olimpíada vai ter dança. O que acontece quando a arte é tratada como esporte?

O clima das olimpíadas me fez lembrar que há uns 10 anos, um programa de TV estadunidense de competição de dança fez uma alteração no seu prêmio, passando a dar para o ganhador da temporada um contrato de imagem com a Gatorade, junto de uma série de atletas, e sob um título de “dance athlete”: atleta de dança.

O programa era competitivo, tinha jurados, notas e pódio. O tipo de movimentação que a gente via insistia na força, na ginástica, na proeza: elementos atléticos. Mas vendo as Olimpíadas, também encontramos esportes com elementos artísticos. A pergunta que sempre fica é a da linha que separa o que é arte do que tem características artísticas. E, do mesmo jeito, o que é esporte, e o que tem características esportivas.

A competição não é novidade para certas formas de dança, mas os limites provocam. O que a exposição da Olimpíada poderia trazer pra formas de dança?

Eu não faço essa pergunta à toa, nem sem motivo: depois do sucesso da modalidade nas Olimpíadas da Juventude de 2018, os quatro esportes novos (não-regulares) que serão apresentados nas próximas Olimpíadas (Paris 2024), sao: o skate, o surfe, a escalada esportiva, e… o breakdance.

Oficialmente aceito como esporte pelo Comitê Olímpico, veremos daqui a 3 anos b-boys e b-girls ao lado de ginastas, atiradores, cavaleiros, nadadores, jogadores, lutadores, competindo pela melhor nota, e pela medalha de ouro.

O break tem uma tradição de batalhas, e inclusive competição. Mas sua chegada à Olimpíada não foi um projeto interno. É uma história bem peculiar, inclusive. A WDSF (World DanceSport Federation – Federação Mundial de DançaEsporte) é uma organização sexagenária, reconhecida desde os anos 1990 pelo Comitê Olímpico Internacional.

Já na época eles queriam levar o carro chefe da organização para as olimpíadas: a dança de salão. Não funcionou nos anos 1990, mas a organização respondeu investindo em eventos televisivos de dança competitiva. Aumentar o interesse do público seria o caminho para os jogos. Em 2015, eles acharam outro caminho: apresentar o break como um evento fácil e barato de produzir, que engajaria público jovem. Na Olimpíada da Juventude de Buenos Aires, em 2018, e aposta compensou, e o break foi um sucesso de mídias sociais, bancando a campanha que dezembro passado resultou no anúncio do esporte como oficial para a Olimpíada de 2024.

A aceitação tem sido… bom, você deve imaginar. Antes dos Jogos da Juventude teve até petição dizendo “tirem as mãos da WDSF do hip hop”. Os organizadores acusavam e criticavam a lógica. A organização estaria usando o break como um Cavalo de Tróia para se inserir nas Olimpíadas. O sal na ferida: a WDSF não tinha ninguém do break no seu comitê quando decidiu bancar essa candidatura.

Online, manifestações de todo tipo aparecem. Visibilidade, valorização, (des)apropriação, aproveitamento. Por trás, ainda a pergunta inicial: onde estão os limites? Esporte com elementos artísticos, e arte com elementos atléticos podem ser vistos como dando na mesma coisa? O que a gente tem a ganhar, mas o que a gente arrisca com isso?Aguardemos… essa discussão volta com tudo daqui a três anos.

 

* Henrique Rochelle é crítico de dança, membro da APCA, doutor em Artes da Cena, e Professor Colaborador da ECA/USP. Editor dos sites da Quarta Parede, e Criticatividade.

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Henrique Rochelle

Henrique Rochelle

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Crítico de dança, Doutor em Artes da Cena (Unicamp), Especialista em Mídia, Informação e Cultura (USP), fez pós-doutoramento na Escola de Comunicações e Artes (USP), onde foi Professor Colaborador do Departamento de Artes Cênicas. Editor do site Outra Dança, é parecerista do PRONAC, redator da Enciclopédia Itaú Cultural, Coordenador do método upgrade.BR de formação em dança, e faz parte da Comissão de Dança da APCA desde 2016.