
"Deseindança", espetáculo de Eros Nedu.
Em um mundo cada vez mais conectado, mas paradoxalmente fragmentado, os saberes culturais emergem como uma das formas mais potentes de troca e intercâmbio. Entre suas múltiplas manifestações, a dança é capaz de conectar corpos em um diálogo de aprendizados e apoio mútuo.
É nessa dimensão de encontro e celebração que se insere um momento histórico para as relações entre Brasil e França: a comemoração, em 2025, dos 200 anos de relações diplomáticas. Mais do que um rito protocolar, essa efeméride ganha forma no Ano Cultural Brasil-França, que promete estabelecer pontes de expressão e colaboração. A dança ocupa aqui um lugar de destaque na formação simbólica entre os dois países.
Você sabia que 2025 é o Ano Cultural Brasil-França? Mas o que isso significa na prática?
A iniciativa nasce de um acordo firmado em 2023, dando continuidade às experiências bem-sucedidas do Ano do Brasil na França (2005) e da França no Brasil (2009). Essas ações integram políticas de fortalecimento dos laços diplomáticos, promovendo a cultura de ambos os países e incentivando a cooperação em diversas áreas: acadêmica, científica, tecnológica, educativa e ambiental.
A realização do Ano Cultural é fruto do esforço conjunto dos governos francês e brasileiro, por meio do Ministério da Cultura e das Relações Exteriores de ambos os países. Essa colaboração entre as esferas institucionais garante não apenas o suporte político e financeiro necessário, mas também alinha a programação a objetivos estratégicos de política externa e desenvolvimento cultural, definidos por ambos os presidentes.
Entre as prioridades indicadas por Emmanuel Macron (França) e Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil) estão o enfrentamento das mudanças climáticas e a transição ecológica, o fortalecimento do diálogo com países do continente africano e a valorização da diversidade das sociedades, além do compromisso com uma globalização mais justa, democrática e inclusiva.
Até setembro, mais de 50 cidades francesas receberão uma programação brasileira diversa. Essa presença é uma oportunidade de afirmação da nossa identidade e de valorização da pluralidade que compõe o Brasil contemporâneo.
A Bienal de Dança de Lyon 2025: um palco para a diversidade brasileira
Entre os eventos mais emblemáticos do Ano Cultural, a Bienal de Dança de Lyon se destaca como um dos principais espaços de visibilidade para a dança brasileira. Reconhecida internacionalmente por sua curadoria ousada, a Bienal é um termômetro das tendências globais e um espaço de projeção para artistas e companhias.
A forte presença brasileira na edição de 2025 é fruto direto dessa articulação estratégica e do apoio institucional. Projetos do Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste foram selecionados para compor uma programação que revela a potência e diversidade do Brasil em movimento.
Conheça alguns dos artistas brasileiros que vão movimentar as terras francesas
A cena da dança no Brasil é um território fértil de experimentações, onde linguagens contemporâneas se entrelaçam às tradições indígenas, africanas e europeias. Para a Bienal de Dança de Lyon, artistas e companhias levarão ao público francês e internacional obras que transitam entre vanguarda e ancestralidade.
Maria Fernanda Figueiró
A performance que será apresentada é resultado de um processo colaborativo com Vanessa Macedo. A artista investigou os signos e símbolos socialmente atribuídos às mulheres que sustentam, até hoje, a desigualdade de gênero. O trabalho propõe uma escuta atenta dos corpos e de suas camadas históricas, construindo uma dança que atravessa o íntimo e o político.

“Jiboia”, videoperformance de Luiza Tavares.
Luiza Tavares
“Jiboia” é uma videoperformance que evoca a serpente como força ancestral, espiritual e feminina. Inspirada por narrativas dos povos Huni Kuin, Kariri Xocó e africanos de matriz Yorubá, Luiza constrói uma poética do movimento atravessada por séculos de vida, morte e renascimento. Um trabalho que convoca memórias profundas, conectando o corpo à sabedoria das forças da natureza.
Heleno Carneiro
Em “Pulso”, o artista investiga o corpo como território de desejo. Por meio da repetição, da exaustão e da escuta, o movimento se torna convocação da pulsão de vida como presença insistente. Um corpo que insiste em pulsar, mesmo quando tudo ao redor pede que se apague. A criação se dá no limite entre resistência e entrega.
Eros Nedu
Com um trabalho inédito em processo de criação, Eros propõe um mergulho na poética das infâncias. A partir de uma perspectiva íntima e lúdica, o artista convida o público a experienciar um universo sensível e imagético, onde memórias e afetos se transformam em movimento. A infância, aqui, é território de invenção e potência.
Oneide Dos Santos
A proposta para a Bienal é um solo de dança contemporânea que fala de um corpo plural, atravessado por heranças e memórias. O trabalho ativa o conceito de corpo-arquivo, revelando um corpo híbrido, dinâmico e em constante transformação. A obra mescla diferentes referências de dança e linguagens corporais, evidenciando a complexidade das identidades brasileiras.
E a programação não para por aí. Um dos destaques recentes foi a exibição do documentário “Danças Negras”, de João Nascimento e Firmino Pitanga, no dia 26 de junho, em Lyon. Com depoimentos potentes, imagens marcantes e corpos que dançam histórias, o filme contribui para a ampliação do reconhecimento internacional da dança negra contemporânea brasileira.

Cena do filme “Danças Negras”.
A participação desses artistas não apenas qualifica a Bienal, como também amplia o entendimento internacional sobre a produção brasileira. Ao apresentar obras singulares e potentes, quebram-se estereótipos e abrem-se novos caminhos para o reconhecimento mútuo.
Impacto para além dos palcos
A expressiva presença brasileira na Bienal de Dança de Lyon 2025, viabilizada pelo Ano Cultural Brasil-França e pelo apoio do Ministério da Cultura, deixa um legado que extrapola os limites do palco. Para os artistas, representa visibilidade, trocas profissionais e novas possibilidades de criação para o setor cultural brasileiro. Para o público, é uma oportunidade de descoberta, encontro e encantamento. Para as relações entre os dois países, é a construção de vínculos mais justos e duradouros.
Mais do que uma celebração cultural, o Ano Cultural Brasil-França é um convite ao mundo para experimentar a força e a beleza da alma brasileira em movimento. Um gesto que constrói pontes e aproxima povos pela arte.