Por Editorial Arrabalera Tango
Obviamente, não há como se dançar tango mantendo ao mínimo 2 metros de distâncias e com todos os cuidados necessários para se evitar a contaminação por COVID-19. Há risco e eles são grandes. Nem saímos de uma onda e o Brasil já adentrou outra, ainda mais grave e com a presença de outras cepas que são mais contagiosas. Este panorama nos suscita várias questões, algumas de cunho moral, como sobre a validade de se criar eventos com alto risco e excluindo grande parcela da população que frequentava os bailes. Outras, históricas. O tango já possui quase 150 anos e passou por outras pandemias e epidemias, como a da Gripe Espanhola de 1918, a da varíola, da tuberculose, da sífilis. Como ele enfrentou isso? Quais os procedimentos que foram adotados?
Podemos dizer que pandemias, inclusive, estão em sua história, já que, de acordo com o livro El Lunfardo y el Tango en la Medicina, de Luis Alposta, há pelo menos 135 tangos cuja temática é a medicina:
“Me contava Mário Canaro que em uma oportunidade em que Augusto P. Berto [famoso diretor da orquestra da guarda velha do tango, antes de 1930] visitou o doutor Pedro Chutro para pedir o favor de atender a um de seus músicos no hospital, o distinto cirurgião, sorrindo, respondeu o seguinte:
– Sim, mas com uma condição.
– Qual?
– Que seu amigo não dedique a mim nenhum tango.” [1]
Entre eles, temos alguns sobre a própria Gripe de 1918, como “La grippe. Tango contagioso”, com música de Alfredo Mazzucchi e letra de Antonio Viergol em homenagem aos médicos da Assitência Pública:
“No me hablés más de la gripe. / No me hablés más de la gripe / porque soy muy aprensivo / y ya siento un tip tip tipi tipi tipi tipi / en el tubo digestivo / La limonada Rogé, / la limonada Rogé, / rápido corro a comprar / porque me quiero purgar / y me voy luego a acostar para sudar. / No te acerqués a mi lado, mi china. / No te acerqués que he tomado quinina. / Y cada vez, china, que te acercás / sube el termómetro diez grados más” [2]
Há também os tangos “El resfriao”, de Ángel Metallo e “Nene no te resfríes”, de Esther Seoane. Dois anos antes, em 1916, Canaro já gravara “El termómetro”, tango de José Martínez.
https://www.youtube.com/watch?v=nebP64urgpQ
Ah, mas podem nos afirmar que eram tempos melhores, havia mais seriedade no trato com as pessoas e o mundo era mais pacífico. Infelizmente a situação não era muito melhor. No livro “Morir en las grandes pestes”, de Maximiliano Fiquepron, temos o seguinte relato: “Em La Boca e em San Telmo, os bairros mais afetados pela epidemia, havia cordões sanitários, mas os resultados foram muito ruins porque, na prática, as pessoas continuavam circulando”. Por exemplo, diante da decisão do prefeito de Buenos Aires de fechar bares, cafés, salões de bailes, cinemas, confiterías etc às 23h, houve “uma manifestação de toda a boemia portenha. Quando os bares fecham, eles saem em uma caravana e atores, pessoas dos teatros e de danças se juntam a eles e fazem uma demonstração em direção à casa do prefeito com uma música que diz “abaixo o prefeito, suba a cânfora”, que era uma pequena pílula que havia um cheiro de pinho fresco. Isso tem a ver com as teorias anteriores que sustentavam que onde havia cheiros havia doenças”, segundo comentário do historiador Adrián Carbonetti ao La Nación. A cânfora era a cloroquina da época. Segundo Carbonetti e María Dolores Rivero [Gripe Española (1918-1919). La Argentina en tiempos de epidemia], “em Córdoba, em meados de julho, os setores mais conservadores e ultramontanos pedem uma procissão. Os médicos pedem que não o façam porque era uma loucura, já que estava no pico da epidemia. Mas eles chamam a procissão porque, segundo sua visão, a gripe foi uma consequência do castigo divino”. Nem parece que este relato se refere há uma pandemia que ocorreu um século atrás, tal a absurda similaridade com que os eventos estão se repetindo.
Em Gripe Liviana composta por José Basile e com música de Jorge Vidal, é possível conferir outra música de tango sobre as enfermidades da gripe.
Nació casi de repente, antes del tiempo fijao,
Con un ojo revirao y una frutilla en la frente,
Una nariz prominente, la boca como un buzón,
En la cabeza un chichón, seis dedos en una mano
Y para colmo el cristiano, sufría del corazón.
En cuanto empezó a crecer, lo cazó la escarlatina
Y a fuerzas de vitaminas, lo pudieron mantener,
Después entró a padecer, de viruela y sarampión,
En la piel, una erupción y cuando lo revisaron
Los médicos comprobaron, que le fallaba un pulmón.
Entró a sufrir de gastritis y de presión arterial,
Tuvo un cólico renal y una bruta apendicitis,
Después la peritonitis, reumatismo en las dos manos,
Se fue llenando de granos, parásitos intestinal
Y para colmo de mal, hasta tenía pies planos.
Le hicieron un tratamiento, pa´ poderlo mejorar
Y le empezaron a dar, suero, tisanas y ungüento,
Anduvo bien un momento, hasta que un día fatal,
La mano le vino mal, se chapó una indigestión
Cálculos en un riñón y derrame cerebral.
Después de tanto luchar, lograron sacarlo a flote
Y le vino de rebote, una ciática lumbar,
Lo tuvieron que operar, de pleuresía malsana,
Ya la ciencia derrotada, decidió darlo por muerto
Antes de hacerle un injerto a su úlcera perforada.
Salió vivito y coleando, de tantas operaciones
A fuerza de transfusiones, el hombre se fue salvando,
Hasta que un día paseando, pa´ poder pasar el rato,
Como era medio “checato”, lo cazó una “cafetera”
Y antes que cuenta se diera, lo mandó a la “quinta ´el ñato”.
Letra : José Basile (José Carmelo Emilio Basile)
Música : Jorge Vidal (Orlando Vidal)
Grabada por Jorge Vidal con acompañamiento de guitarras.
Caras y Caretas. Año XXI, N° 1047. Buenos Aires, 26 de octubre de 1918, p. 45.