Essa semana perdemos Ismael Ivo, um artista imenso, que nos deixa seu imenso legado.
Ismael Ivo é imenso. Não só quando dança, mas também quando fala, você sente o peso e a força de quem faz coisas acontecerem. Dele, sempre se podia esperar surpresas. A que chegou essa semana foi um tanto inesperada.
Tive pouca proximidade com a figura mítica de Ivo. Acompanhei algumas de suas passagens por São Paulo, assisti em cena e em registros, mas, sobretudo, ouvi falar dele. De amigos, de colegas de profissão, de bailarinos que tinham passado por seus vários projetos aqui e no exterior, sempre se ouvia uma aura de mistério e potência.
Fui mergulhar em arquivos, acervos, entrevistas e conversas, mais tarde, quando escrevi seu verbete para a Enciclopédia do Itaú Cultural. Uma das melhores descrições que achei pra ele aparece no Dicionário Oxford da Dança, onde é um dos raros brasileiros mencionados: “intensidade carismática e poder escultural”.
Quando vai para Nova Iorque dançar na companhia de Alvin Ailey, iniciando sua grandiosa carreira internacional, Ivo já tinha passado por mestres como Ruth Rachou, Klaus Vianna e Renée Gumiel, e, por aqui, dançava no Teatro Galpão, junto da emblemática geração da dança moderna paulista.
A marca desse trabalho ainda em São Paulo se mistura com influências estrangeiras, como a dança expressionista e a dança-teatro, criando um estilo que vai ser a base de seu trabalho criativo, mas que também se reverbera em seus projetos de direção e curadoria. Antes de vir dirigir o Balé da Cidade, Ismael dirigiu a companhia de dança do Teatro Nacional Alemão, o ImPuls Tanz (festival que criou em Viena), e a Bienal de Veneza, além de coreografar pelo mundo.
Em todos seus projetos, marcas de seu gosto pela antropofagia cultural: experimentar, assimilar, retrabalhar e apresentar novas formas, a partir daquilo com que tem contato. Sempre com um foco em comunicação, questionando com quem essa dança quer falar, com quem essa dança pode falar.
É essa preocupação que veio à tona ao voltar a São Paulo. Quando ele assumiu o Balé da Cidade, pude ouvir dele um pouco mais sobre seus projetos, e a ideia, maravilhosa e extremamente atrevida, de abrir o Theatro Municipal pra mais gente. Para pessoas que nunca tinham entrado nele antes.
Ele próprio contava que passava na frente do Municipal, quando criança, e nem imaginava que poderia entrar ali. Entrou. E seu tempo de gestão se focou em criar proximidades e acesso.
Durante suas temporadas do BCSP, era muito difícil não ouvir alguém comentando que estava no Municipal pela primeira vez. Vendo dança pela primeira vez. Se importando com isso pela primeira vez. Também foi durante sua gestão, e com muita pressão, que a companhia finalmente se mudou pro prédio (até hoje) inacabado da Praça das Artes, depois de quase cinquenta anos em sedes provisórias.
Em 2019 Ismael explicava seu plano, à frente do Balé da Cidade e ocupando esse espaço de destaque no Municipal, e na arte de São Paulo: “estou aqui para deixar um legado”. Essa semana perdemos a sua companhia, a sua presença física, e tudo que ele ainda poderia fazer. Mas continuaremos sempre com seu legado. Imenso. Obrigado.
* Henrique Rochelle é crítico de dança, membro da APCA, doutor em Artes da Cena, e Professor Colaborador da ECA/USP. Editor dos sites da Quarta Parede, e Criticatividade.
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