Por Kevelyn Pestana e Julia Ferreira
Diferentemente dos outros espetáculos desta Bienal pode-se dizer que Hammam já começava na fila, enquanto o público aguardava a autorização para adentrar o espaço cênico. Ali mesmo, o público recebia instruções da produção para que a vivência fosse melhor aproveitada. Era indicado às pessoas que retirassem os sapatos, e deixassem juntamente com as bolsas e demais acessórios em um espaço reservado, para que se mantivessem secos. Também na entrada deste recinto eram distribuídas toalhas de rosto, pois o espetáculo contava com uma ambientação repleta de vapor de água. Ademais se instruía ao público que ele poderia transitar pelo espaço e poderia participar ativamente desta ocupação. Por fim, ele ainda recebia a recomendação de evitar olhar diretamente e apontar a câmera do celular, uma vez que a utilização do lazer para projeções, poderia causar danos à visão e aos aparelhos.
Após passar por um corredor dividido por uma rotunda preta, o público adentrava um recinto todo preto, com uma estrutura de luz em um dos cantos e com uma mangueira circular ao chão, se posicionando da forma como se sentisse mais confortável. Inicialmente, a maioria ocupava a borda do espaço, deixando o meio livre. À medida que o intérprete começava a se movimentar na frente de uma torre de luz vermelha, o público começava a deslocar-se, a fim de ter uma visão mais clara do que estava ocorrendo.
De forma minimalista e repetitiva, o artista Claudio Muñoz permanecia nesse local por vários minutos, indo somente para o centro, quando o vapor de água já estava presente. No decorrer da performance, o vapor da água fazia com que a visão se tornasse turva, impelindo o público a se aproximar, para que conseguisse ver o intérprete. A curiosidade em entender como esse vapor era expelido pela estrutura circular também ajudava a promover esse deslocamento físico. Não obstante, na medida em que o chão se tornava molhado, já não era mais possível permanecer sentado, incentivando ainda mais esse caminhar do público.
Com isso, o público se tornava agente ativo no espetáculo, sendo impelido a seguir o artista durante os 70 minutos da performance. Essa relação com o espaço, gerava o interesse por partes da estrutura física e das movimentações corporais desenvolvidas pelo intérprete, levando o público a experimentar as sensações desta ambientação. Frases como “El agua es el alien”, “Sacude tu agua cerebral”, “Abre tus axilas chupa tu saliva”, “En el frio la resistência”, eram projetadas em uma das paredes, e se tornavam orientações para o público, a fim que percebesse o ambiente formado e se sentisse em cena com o intérprete, ainda que de maneira não intencional.
Proporcionando essa experiência de um expurgo coletivo através do “HAMMAM”, que significa banho turco, a movimentação do intérprete muitas vezes se perdia do campo visual do público, que ficava imerso em experimentar as sensações alteradas junto com o espaço. Os momentos em que o intérprete caminhava de roupão com um sapato de madeira com uma plataforma alta, trocava de roupa, utilizava a toalha ou o bambolê pelo espaço, passavam, por vezes, despercebidos. Em um determinado momento, o intérprete vestia um tênis e um moletom preto, caminhava até um lado do espaço e sentava-se ao chão molhado próximo a um tecido preto, permanecendo ali por um tempo, observando como o público se posicionava.
Pouco a pouco, os olhares do público voltavam-se novamente para o intérprete, que permanecia nessa posição, deixando a plateia em dúvida se este seria o desfecho da vivência. No entanto, Claudio Muñoz ainda se levantaria, pegando o bambolê e sua toalha que estavam no chão, indicando que algo mais estava por vir. Nesse momento, o público atento, aguardava os próximos passos do intérprete, que se afastava deixando o espaço. As pessoas começaram a se olhar e a conversar, questionando se isso seria o fim da experiência.
Nesse instante, o intérprete retornou ao espaço, acompanhado de um grande aspirador de água, ligou a máquina e iniciou o processo de limpeza do espaço. A reação do público foi diversa: alguns ficaram confusos, outros rindo, questionando se isso faria parte ou não do espetáculo. Pouco depois, com a limpeza ainda em processo, parte do público começou a se retirar, enquanto outra parte ainda permanecia atenta ao que ocorria. Por fim, o artista Caio Muñoz deixava o espaço.
* Kevelyn Pestana é formada em Licenciatura em Dança pela Universidade Cândido Mendes- Rio de Janeiro. É coordenadora do Projeto Dança em Ação, onde desenvolveu parceria com o Departamento de Cultura da cidade de São João da Boa Vista. É integrante do grupo de pesquisa Dança em TrêsTempos, onde realiza sua pesquisa corporal através do Universo Feminino. É professora de jazz e heels dance no projeto social Núcleo de Formação Artística da cidade de Aguaí.
** Júlia Ferreira é Doutoranda junto ao Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena da Unicamp. Mestre em Artes da Cena pela Unicamp, tendo sido orientada pela Prof.ª Dr.ª Julia Ziviani Vitiello, e sido bolsista Capes. É Bacharel em Dança (2016) e Licenciada em Dança (2017) pela Unicamp. Integra o Grupo Dançaberta dirigido por Julia Ziviani, compondo a equipe de produção artística e executiva e atuando como intérprete-criadora dos espetáculos.
*** Esta resenha foi feita dentro da disciplina “Tópicos Especiais em Arte e Contexto: Produção Crítica em Dança”, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Claudia Alves Guimarães, no Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena da Unicamp. A disciplina teve como foco a 13a. Bienal Sesc de Dança, contando com a parceria do Sesc Campinas.
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