Crédito das Fotos: Lua Santana
Por Kevelyn Pestana
No último final de semana da Bienal Sesc de Dança 2023 aconteceu o espetáculo “Engasgadas, segundo rito para regurgitar o mundo” do coletivo Zona Agbara de São Paulo, dirigido por Gal Martins. O espetáculo foi apresentado no Armazém 1 do Cis Guanabara em Campinas, onde o público pode estar perto e ao redor de toda a apresentação.
Composto por seis intérpretes potentes, “corpas” gordas e pretas, o espetáculo traz força, resiliência, reflexões, provocações e ancestralidade. O Coletivo Zona Agbara usa o termo “CORPAS” para ter uma abordagem matriarcal, como ato político. A movimentação se inicia com cinco das intérpretes deitadas juntas com um figurino vermelho e uma intérprete sentada com jeans rasgado e customizado, envolta por bacias ao chão e penduradas com pimentas ao lado. No decorrer o jeans customizado é usado por todas as intérpretes e ao final elas utilizam vestidos de renda. A movimentação vinda da dança contemporânea, explora níveis, e a composição individual de cada bailarina, trazem suas memórias ancestrais, suas trajetórias de vida, violências sofridas e o pensamento para o futuro, dando uma narrativa para a movimentação. Conforme o espetáculo acontece, as partituras individuais conversam com o coletivo, ganhando força e poéticas para seu desenvolvimento.
A função natural da boca é comer, mastigar e engolir, em “Engasgadas” isso é claramente retratado, mas de forma política, é necessário e urgente pautar corpas gordas e pretas em cena, indo contra os padrões de beleza, falando sobre gordofobia e inspirando sobre ser livre e se amar. Durante o espetáculo é possível ainda ver desconforto de algumas pessoas com algumas ações que acontecem durante a apresentação, um exemplo é quando elas utilizam as bacias que compõe o cenário e encenam o fluxo de um vômito, despejando-o no final para o público. Embora esse ato possa ser considerado grosseiro por muitos, ele nos leva a perceber o quanto essas mulheres fora dos padrões estéticos sofrem e são excluídas socialmente.
Engasgadas por muito tempo, agora elas estão falando: “Não aceitamos mais engolir esse mundo indigesto. É preciso soltar esse amargo. O engasgo é inevitável e a partir daí é preciso regurgitar para sobreviver”.
O ato final do espetáculo é tocante e leve, mostrando o estado de felicidade que elas se encontram após regurgitar, após ganharem esse espaço da fala, após terem a coragem de expor seus traumas e se curar, mostrando que a mudança pode e deve ser feita.
É inevitável o público não sair reflexivo e tocado com a potência do espetáculo, que sabe construir e fazer com que, trilha sonora, movimentação, elementos cênicos e figurinos se harmonizassem. Anseia-se que cada vez mais abram-se espaços para diferentes corpos fazerem dança e abrirem a discussão.
* Kevelyn Pestana é formada em Licenciatura em Dança pela Universidade Cândido Mendes- Rio de Janeiro. É coordenadora do Projeto Dança em Ação, onde desenvolveu parceria com o Departamento de Cultura da cidade de São João da Boa Vista. É integrante do grupo de pesquisa Dança em TrêsTempos, onde realiza sua pesquisa corporal através do Universo Feminino. É professora de jazz e heels dance no projeto social Núcleo de Formação Artística da cidade de Aguaí.
** Esta resenha foi feita dentro da disciplina “Tópicos Especiais em Arte e Contexto: Produção Crítica em Dança”, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Claudia Alves Guimarães, no Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena da Unicamp. A disciplina teve como foco a 13a. Bienal Sesc de Dança, contando com a parceria do Sesc Campinas.
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