Crédito das Fotos: Corpos Velhos. Foto Emidio Luisi
Por Renata Máximo Guidetti
Corpos velhos – Pra que servem? sob a direção de Luis Arrieta, estreou na Bienal SESC de Dança no dia 15 deste mês. Luis Arrieta nasceu na cidade de Buenos Aires e chegou ao Brasil em 1974 a convite de Marilena Ansaldi para integrar o Ballet Stagium. Ao longo de mais de 40 anos de trajetória como bailarino, coreógrafo e diretor artístico, coleciona quase uma centena de coreografias e teve papel decisivo na história de importantes companhias, como o Balé da Cidade de São Paulo e o Balé Teatro Castro Alves em Salvador. Ocupou por duas vezes o posto de diretor artístico do Balé da Cidade de São Paulo e foi um dos fundadores e diretor artístico do Elo Ballet de Câmara Contemporâneo em Belo Horizonte.
Corpos velhos – Pra que servem? investigou em cena as danças existentes nos corpos, narrativas e memórias de expoentes da dança brasileira. O encontro abriu espaço para uma conversa não falada, para um improviso carregado de memórias e de histórias de criadores pertencentes a uma geração pioneira da dança cênica, com mais de meio século de trajetórias distintas. Ao colocar esses corpos como protagonistas, o trabalho mostrou a transversalidade e a urgência das questões e temáticas que atravessam o etarismo na sociedade, e exaltou a permanência do fazer artístico como ato de resistência política, poética e subversivo.
Fizeram parte do elenco, além de Luis Arrieta, sete bailarinos os quais apresento resumidamente, são eles: Célia Gouvêa, bailarina natural da cidade de Campinas, integrou a primeira turma do Mudra (Centro Europeu de Aperfeiçoamento e de Pesquisa dos Intérpretes do Espetáculo), dirigido por Maurice Béjart. Em 1974, iniciou no Teatro de Dança Galpão, juntamente com Maurice Vaneau, um movimento renovador da dança, mediante uma perspectiva multidisciplinar e, dividiu sua carreira entre o Brasil e a Europa. Décio Otero natural da cidade de Obá, estado de Minas Gerais, iniciou seus estudos de dança no Ballet de Minas Gerais, dirigido por Carlos Leite, onde conheceu Klauss Vianna e Angel Vianna. Fez parte do elenco de grandes teatros como, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro, Ballet Grand Théâtre de Genève, Ballet da Ópera de Colônia e Ballet da Ópera de Frankfurt. Marika Gidali, natural de Budapeste na Hungria, chegou ao Brasil ainda criança. Radicada no Brasil, iniciou seus estudos em dança na cidade de São Paulo. Atuou como bailarina no Ballet IV Centenário, Theatro Municipal do Rio de Janeiro e, Ballet do Teatro Cultura Artística. Décio Otero e Marika Gidali, são os fundadores e diretores do Ballet Stagium, companhia fundada em 1971, que se notabilizou por seu projeto de engajamento político nos anos de ditadura, percorrendo todo o território nacional, se apresentando até no Xingu e, por ter sido a primeira companhia a utilizar trilhas sonoras da música popular brasileira, ambos, dividem suas vidas a mais de cinquenta anos. Iracity Cardoso, natural de São Paulo, formou-se na Escola Municipal de Bailados em São Paulo e foi a responsável pela criação da São Paulo Companhia de Dança, estabeleceu sua carreira como bailarina entre o Brasil e a Europa, foi bailarina e professora do Ballet Stagium, ministrou aulas no Teatro de Dança Galpão, atuou como bailarina no Ballet da Cidade de São Paulo, e como diretora, dirigiu grandes companhias como, o Ballet Grand Théâtre de Genève, o Ballet Gulbenkian, o Ballet da Cidade de São Paulo e a São Paulo Companhia de Dança. Neyde Rossi, natural da cidade de São Paulo, iniciou seus estudos com Maria Saltenes e com sete anos ingressou na Escola Municipal de Bailados, onde permaneceu por um ano. Seguiu com Maria Olenewa até entrar no Ballet IV Centenário. Atuou como bailarina no Ballet IV Centenário, Ballet do Museu de Arte de São Paulo, Theatro Municipal do Rio de Janeiro e, Ballet do Teatro Cultura Artística. Seguiu como Mestre de Ballet em diferentes escolas e companhias de dança. Yoko Okada foi bailarina do Ballet IV Centenário, fundadora e diretora do Ballet Ismael Guiser, ministrou aulas no Cisne Negro companhia de dança, Companhia Débora Colker, Sopro companhia de dança e Ballet Stagium. E duas bailarinas, nomes expressivos da dança, que em suas individualidades não só compõe o espetáculo, mas amorosamente garantem a sua fluidez, são elas: Mônica Mion e Lumena Macedo.
Mônica, nasceu em São Paulo, iniciou seus estudos com Nice Leite na Escola Municipal de Bailados, atuou no Ballet Stagium e no Balé da Cidade de São Paulo e, foi diretora do Balé da Cidade de São Paulo. Lumena, natural de São Paulo, iniciou seus estudos com Renée Gumiel, atuou nas companhias de Halina Biernacka e Balé da Cidade de São Paulo.
Foto Emidio Luisi.
O espetáculo iniciou com um vídeo de Vinícius Cardoso, projetado em um telão que ocupou toda a largura e que estava localizado no meio/frente do palco. Entre as imagens projetadas em preto e branco de partes do corpo do elenco, como as mãos marcadas pelas fissuras e plasticidade da pele, o vídeo foi permeado principalmente por três elementos, a barra, as cadeiras e as muletas. Como em uma sala de ensaios, as relações se ordenavam a partir desses elementos que significavam e ressignificavam o apoio para o elenco. Entretanto, mais importante do que esses elementos, o vídeo nos trouxe o apoio humano, principalmente representado pelas bailarinas Mônica e Lumena, e as relações de cuidado exibidas entre todos. O vídeo gerou expectativas. De um lado a expectativa de ver o elenco histórico no palco e do outro a expectativa do que o espetáculo iria entregar. Permeado por uma música quase de suspense, o público congelou.
Quando o telão subiu, sentados em suas cadeiras lado a lado, colocados no palco, sucede o elenco. A disposição das cadeiras, pareceu demonstrar a horizontalidade das relações em cena, e discursou sobre a possibilidade do estar junto, naquele tempo e espaço e no entrelaçamento de histórias de vidas. O palco permaneceu escuro, com uma luz amarela vinda do fundo e do chão do palco e com um foco branco, vindo de cima, que iluminava os corpos de cada um dos bailarinos. Possuidores de uma presença que não se questiona, eles entregaram. Entregaram os movimentos e as danças possíveis para os seus corpos que improvisaram as possibilidades do dançar. Em solos, duetos ou em conjunto exploraram seus movimentos e sensações. Ao som de músicas sobre postas como a clássica e a música popular brasileira, a trilha sonora nos remeteu aos contextos de vidas ali presente. Os deslocamentos improvisados ou mesmo marcados, por vezes, desafiaram as características de cada corpo, demonstrando as subjetividades inscritas naquele coletivo.
Provavelmente para cada um que assistiu ao espetáculo ficou a reflexão sobre para que os corpos velhos servem e, para que os corpos velhos na dança servem? Seria sobre origem, conquistas, lutas e memórias nas histórias de vida e de dança? Ou sobre o respeito, afeto e suporte a uma fase da vida a qual pouco conhecemos, apoiamos ou consideramos?
Corpos velhos – Pra que servem? subverteu padrões, rompeu com estigmas, e permitiu ao elenco arriscar-se ao erro, nos convidando a ressignificar os sentidos de sonhar, mover e dançar, fortalecendo o lugar da dança enquanto linguagem de resistência, de poesia e expressão social e que merecia a abertura da Bienal SESC de Dança.
* Renata Máximo Guidetti é mestre na área de Atividade Física Adaptada pela Universidade Estadual de Campinas (2023), e dentro da sua formação destacam-se a especialização em Laban no Instituto Sedes Sapientiae (2007) e pós-graduação latu senso em Arte Integrativa na Universidade Anhembi Morumbi (2003). Atuou como bailarina e professora do INTEGRARTE corpo de dança e da Escola Municipal de Arte-Educação Integrada Paulo Bugni (2000-2008) ambas em São Bernardo do Campo, como professora de dança e gestora em unidades do SESI (1998-2021) no grande ABCD, pesquisadora de campo no ponto de cultura “Bailando na Cidade” em Diadema (2007), atriz e na preparação corporal nas peças “Primeiras estórias” e a “Tempestade” com o Teatro da Transpiração em Santo André (2006-2007). Atualmente é aluna em duas disciplinas da pós-graduação e seu interesse de pesquisa é sobre dança e pessoa com deficiência.
** Esta resenha foi feita dentro da disciplina “Tópicos Especiais em Arte e Contexto: Produção Crítica em Dança”, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Claudia Alves Guimarães, no Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena da Unicamp. A disciplina teve como foco a 13a. Bienal Sesc de Dança, contando com a parceria do Sesc Campinas.
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