Crédito das Fotos: Caffe Muller de Pina Bausch
Antes de ir para a pergunta que nomeia esse texto, gostaria de propor outra pergunta e dai, uma hora ou outra espero conectar com o título. A pergunta é, como aprendemos a sentir? Digo, como distinguimos a percepção e nos entendemos como um corpo que se percebe e organiza o mundo interior com o exterior, atuando de maneira única no mundo.
E se pensarmos essa percepção como uma forma de dançar a si? E se o ensino da dança se assumisse como um aguçador dos sentidos, um intensivo de sabores, sem dúvida, é uma delícia imaginar uma técnica que nos inspira a buscar novas percepções.
E é um pouco isso que gostaria de conectar com a pergunta título, longe de querer falar de algo original, repensar o modelo de ensino da dança já é uma pauta muito discutida e estou longe de propor soluções práticas transformadoras. Mas gostaria de criar um elo com vocês formulando mais questões do que esboçar respostas.
Assim retomo, podemos aprender a sentir, compreendendo o peso do mundo, a maneira como organizamos e idealizamos o real e, como atuamos no mundo. Mas essa organização ou aprendizado é de outra ciência, algo como o escritor Manuel Bandeira comenta: “Quem acumulou muita informação perde o condão de adivinhar” e adivinhar, nesse caso, além de seu significado, carrega outras explicações, o que Bandeira usa como modos de desconstrução, desinventar e desaprender.
Aprender a desaprender, é como uma criança que em suas brincadeiras constroem e destroem o real, entre esse ato de construir e desconstruir, está a experimentação. Praticar um campo sensorial, estético, artístico e existencial de suas questões criativas. E daí, pensando como responder esse título, me deparo com essa obra:
Artista Pulp Brother
“Eu gostaria de saber como usar essa estúpida cadeira”, em tradução livre, com um personagem subindo na cadeira e “tentando” usar o objeto. Tentar usar algo para além da sua utilidade e esquecer o seu uso inventivo é de uma natureza contra a lógica, é assumir comportamentos e gestualidades que trabalham outros formatos de corporalidade, o fato, do rapaz estar em cima da cadeira e a mesma está de ponta cabeça, cria-se uma imagem única, as ignorãças, como nomeado o livro de Bandeira, de usar algo para além de seu usual, pode se tornar um presente na sua experimentação artística e criar modos singulares de se relacionar com o mundo.
E essa frase e a imagem me remeteu a vários trabalhos de dança e como o ato de desaprender constrói gestos únicos, que desinventam funções para experimentar novas utilidades, Bandeira também chama isso de desinventar objetos.
A ideia aqui não é propor novas escolas, métodos e técnicas no ensino da dança, tal qual, algo alarmante como “esqueça tudo sobre a dança e objetos cotidianos”. Mas, desinventar comportamentos em nossos ensaios pessoais e ampliar o amadurecimento na relação com a dança e o nosso corpo.
E já que não prometi respostas, apenas perguntas, como ligamos essa conexão com a nossa percepção no cotidiano? Estamos a todo momento resolvendo algum b.o e, isso já começa no andar, colocar um pé na frente do outro e simplesmente negociar com a gravidade e o centro de equilíbrio até parece uma tarefa fácil, mas não é. Não é atoa que isso é uma pauta mega sensível para as crianças e também o início de uma jornada de amadurecimento e aprendizado sobre seu próprio corpo.
Estamos constantemente lidando com a existência, na maioria das vezes lidamos no “automático”, apenas realizando as tarefas cotidianas e rezando para dar tudo certo. Mas, na sua grande maioria, não damos atenção ao corpo em relação a essas tarefas e na dança, isso é primordial. Suponhamos um exercício de rastejar-se sob o chão, está aí um meio locomotivo que sempre se atualiza conforme a sua dificuldade, adaptamos a todo momento essa relação entre gravidade e o nosso corpo. Negociar com o próprio peso e as condições externas também é sobre como lidamos com a nossa existência.
E esse estado inventivo pode ultrapassar para a sala de aula e se tornar um modus operandi que nos conecta cada vez mais com os processos adaptativos físicos que nos atravessam durante o dia. Possuir um corpo é inventar soluções o tempo inteiro entre o tempo e o espaço.
Por fim, não vou mais fundo que isso, apenas dizer que desaprender é um ato que mais soma que subtrai, está nessa palavrinha, uma certa comicidade e leveza que nos convida a brincar com o nosso corpo e levar esse estado para nossa vida e aprender com isso. É o repensar o critério que modifica o aprendizado mecânico. Não estou falando que é fácil, mas pode ser divertido dançar mais a vida e descobrir nossas formas de desinventar nossas formas.
Até a próxima!