Escola de Dança de Paracuru à beira do fechamento: um legado cultural em risco

Com a falta de repasse de verba da Prefeitura, a continuidade da Escola de Dança de Paracuru, referência na formação de artistas e no desenvolvimento social, está ameaçada.

“A dança em Paracuru não é apenas movimento; é voz, é resistência, é transformação.” Essa frase, dita por Flávio Sampaio, fundador da Escola de Dança de Paracuru, reflete a essência e a importância desse projeto cultural que há mais de duas décadas transforma vidas na cidade cearense. No entanto, o futuro dessa instituição está em risco.

Com a falta de repasse de verbas da Prefeitura de Paracuru, as atividades da escola, referência na formação de artistas e no desenvolvimento social, estão ameaçadas. Fundada em 2003, a escola enfrenta uma grave crise financeira, que compromete a continuidade de um projeto cultural que beneficia jovens das camadas populares e constrói um legado artístico para a cidade.

A gestão do atual prefeito, Wembley Gomes Costa (PSB), não conseguiu assegurar o financiamento necessário, e a incerteza quanto ao apoio da nova prefeita eleita para 2025, Gabi do Aquino, aumenta o desafio. A instituição, que já foi modelo de excelência em gestão colaborativa, hoje luta para sobreviver.

Histórico da Escola de Dança de Paracuru e o Legado de Flávio Sampaio

A história da escola está intimamente ligada ao nome de Flávio Sampaio, um dos maiores nomes da dança no Brasil. Natural de Paracuru, Flávio iniciou sua carreira de dançarino na cidade, mas foi no Rio de Janeiro, em centros internacionais de dança e no Balé Bolshoi, que ele conquistou uma carreira de destaque. Após anos de sucesso no Brasil e na Europa, ele decidiu voltar para sua cidade natal, com o objetivo de compartilhar sua paixão pela dança com os jovens de Paracuru.

Foi assim que, em 2003, Flávio fundou a Escola de Dança de Paracuru, com o intuito de oferecer formação de bailarinos e arte-educadores, além de criar um espaço de expressão e oportunidades para a juventude local. A escola conta hoje com mais de 220 alunos, entre iniciantes e avançados, e oferece um currículo que vai desde a iniciação à dança até cursos técnicos de formação. O projeto pedagógico da escola integra diversas técnicas de dança, promovendo não apenas a formação artística, mas também a construção de alternativas culturais e sociais para os alunos.

A escola é um modelo de gestão colaborativa, oferecendo transporte, alimentação, uniformes e materiais para os alunos. Além disso, há um grande foco na formação de educadores, permitindo que o conhecimento se multiplique dentro da própria comunidade. O impacto da escola na cidade é imenso, pois representa uma alternativa cultural e educacional para centenas de jovens, muitos dos quais poderiam não ter acesso à arte sem esse projeto.

Hoje, no entanto, o futuro desse projeto está em jogo, e a falta de apoio financeiro ameaça não apenas o funcionamento da escola, mas também todo o legado de Flávio Sampaio em Paracuru.

Para compreender melhor o impacto dessa crise e as perspectivas para o futuro, ouvimos Flávio Sampaio, que detalhou as dificuldades enfrentadas pela escola e destacou como a falta de apoio pode afetar o desenvolvimento cultural da cidade.

1) Como a falta de repasse da prefeitura está impactando o funcionamento da Escola de Dança de Paracuru até o momento?

Durante a pandemia de Covid perdemos nosso principal patrocinador, a Enel, e finalizou o projeto das Escolas Livres da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, que era um importante recurso, e ficamos sem patrocínio fixo, apenas com o convênio firmado com a Prefeitura de Paracuru que cobria parte da manutenção do prédio. Nesse período, a pessoa que administrava nossos projetos cometeu alguns erros nas prestações de contas, perdeu alguns prazos de execução e nos deixou inadimplentes junto à Secretaria da Cultura do Estado, que é nosso mais potencial financiador. Com o retorno das atividades culturais, ainda conseguimos trazer para Paracuru um projeto emergencial da Lei Aldir Blanc, com o qual equipamos o Centro Cultural com a luz e som para o teatro e linóleo para o palco e para as salas. O grande gargalo é que somos um projeto de ação continuada e a maioria dos projetos relacionados à cultura são projetos pontuais. Nós, que sempre trouxemos recurso de fora para o Município, ficamos dependentes do apoio da Prefeitura. Na época, conversamos com o Prefeito Beim, e ele ajustou nosso convênio para que fosse possível funcionar, mesmo muito precariamente, enquanto tentávamos resolver nossa situação junto à SECULT. Vieram os editais da Funarte, das Empresas do Porto do Pecém, e em nenhum deles nos coube. Conversamos com a Petrobras para o retorno do patrocínio deles à nossa Escola e ainda não obtivemos resposta. Enfim, nesses dois últimos anos tivemos apenas uma pequena ajuda emergencial de uma empresa local (Mercadinhos Luana) por seis meses e o apoio da Prefeitura, que findará em dezembro próximo, junto com o mandato do atual prefeito. Ao longo desse tempo, as coisas foram ficando bem difíceis, as dívidas acumulando, e os repasses da Prefeitura foram atrasando. Atualmente, são três meses atrasados mais o mês de dezembro até o final do contrato. Ontem tive a promessa de que a Prefeitura nos pagará o mês de setembro, mas eles estão com problemas de caixa e não nos deram a certeza se serão pagos os três meses restantes, verba essa que é essencial para a sobrevivência da Escola até a assinatura de um novo convênio, que, seguindo os trâmites burocráticos, demorará pelo menos três meses. Então, se a Prefeitura não nos repassar os meses que faltam para a finalização do convênio que tem com a Escola de Dança, serão seis meses sem recurso nenhum. Não tem como funcionar dessa forma.

2) Quais são as principais dificuldades que a escola está enfrentando para manter suas atividades e atender os alunos?

Pagamento de funcionários, professores, contas de luz e água, internet, lanches, material de escritório, material didático e manutenção do prédio.

3) A nova prefeita eleita, Gabi do Aquino, já se manifestou sobre o apoio à escola para o ano de 2025?

Solicitamos uma conversa com ela. Nesse momento, ela está em Brasília, e estamos aguardando seu retorno.

4) Como você acredita que a escola contribui para a comunidade de Paracuru, especialmente para as classes populares e jovens em situação de vulnerabilidade?

É bem significativa essa contribuição. A Escola de Dança tem um belíssimo trabalho junto às classes mais populares, pessoas com deficiência, quilombolas, pessoas trans, ao público LGBTQIA+. Atuamos junto a crianças e jovens que não teriam outra experiência com a arte em seus processos educativos, que mude suas visões de mundo, que os fortaleça para o enfrentamento de questões secularmente impostas a eles, que possa ser um caminho para uma mudança substancial de vida, que modifique trajetórias secularmente injustas e que possa profissionalizar aqueles que têm esse desejo. Foram muitas as mudanças de paradigmas que a Escola de Dança promoveu em nossa cidade. Daqui saiu uma bailarina, nascida na periferia, preta e única mulher trans a compor o elenco de uma grande companhia de dança europeia, o Tanztheater Pina Bausch Wuppertal.

5) O que pode ser feito para garantir a continuidade desse projeto educacional, que já formou tantos artistas e educadores?

Atualmente penso que deveria se tornar uma Escola Pública, um projeto da cidade, ligado à Prefeitura de Paracuru. A Escola já formou um bom número de professores, coreógrafos, e produtores que estão capacitados a fazer a gestão desse projeto.

6) Qual é o legado que você considera que a Escola de Dança de Paracuru tem deixado na cultura local e na sociedade em geral?

O Centro Cultural Companhia de Dança de Paracuru representa um marco como equipamento cultural único na região. Suas ações fortalecem o vínculo familiar e comunitário, além de possibilitar a fruição artística e promover a cidadania, ampliando o cultural e social das pessoas e contribuindo na construção de alternativas de vida e suas visões de mundo. Atualmente é o único espaço de formação, criação, fruição e de entretenimento cultural para os jovens de nossa cidade.

7) De que maneira a crise atual pode afetar o desenvolvimento da dança no município e o acesso dos jovens à cultura?  

Acho que ficará um grande vazio, uma cidade criativa que se encolherá. Jovens perderão a voz. Como diz Naomi Brito, que foi aluna nossa: “danço para falar, para dizer o que não consigo com as palavras”. Se a Escola de Dança acabar, é porque conseguiram calar essa voz.

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