Quanto tempo dura a dança? Quanto tempo você quer passar na plateia? Quanto tempo você tem pra dança?
Que a pandemia mexeu com a nossa percepção de tempo já sabemos. São recorrentes os comentários sobre como, vivendo uma retomada, encontramos novas confusões, e um processo complicado de readaptar aos tempos e às distâncias de um mundo que ainda mistura o presencial e o digital. Com o tempo da vida se reconfigurando, o tempo da dança parece que também se reajusta.
Desde o ano passado, tenho notado um encurtamento das durações das obras de dança. No geral, encontro menos obras que se aproximam ou passam uma hora de duração. Nesses casos mais raros, também tenho ouvido pessoas surpresas no público, com reações de “nossa, que longo!”, ao saberem que algo duraria “só” 50 minutos.
Nas temporadas, mesmo em companhias grandes, o tempo total dos programas das noites também me parece reduzido. Se antes parecia normal encontrar programas de 3 ou 4 obras, durando uma hora e meia, duas horas de apresentação, parece que padrão pós-pandemia está reduzido a duas coreografias, e uma hora, uma hora e quinze de duração.
O que tem aumentado é o tempo dos intervalos. De rápidas pausas técnicas e intervalos de 10min, agora tem dias que espero intervalos de 20min — que às vezes atrasam e duram mais que o planejado —, pra assistir uma segunda obra que dura menos tempo que o próprio intervalo. O que acontece? Estamos precisando de mais tempo de descanso? Mais tempo pra desligar entre as apresentações?
Os tempos têm a ver com a disposição — dos artistas e do público — mas também com um sentimento do momento. Do que uma hora no teatro representa hoje, e do que isso contabiliza no todo das atividades do dia de alguém. Mas os tempos também têm a ver com percepção: aquilo que é anunciado cria expectativas, organizações. Absolutamente ninguém no público vive aquele dia só para aquela apresentação.
E é isso que tem causado meu maior incômodo com o tempo da dança desses dias. Alerta: esta obra contém uma duração enganosa. 2023 é oficialmente o ano de reclamar que os espetáculos anunciam uma duração e apresentam outra. Nos extremos, esse ano já encontrei coisas que duravam uma hora a mais do que o planejado (mas ai é realmente um desvio estilo aberração, caso único), mas tá desesperadoramente comum encontrar apresentações mentindo a duração em vinte minutos, meia hora: tanto pra mais, como pra menos.
Talvez seja um reflexo de outras situações indesejadas: instabilidade de preparação, menos tempo de ensaio técnico e montagem, menos tempo de dedicação dos profissionais — as dificuldades com o tempo afetam a todos, público, técnicos e artistas. Mas é fato que o tempo não tem funcionado do mesmo jeito. O pós-novo-normal é uma coisa confusa. E a dança é uma arte de tempo. De presentificação do instante que não perdura, e se desfaz no instante seguinte. Como a dança de hoje, lida com o seu tempo? Com a inconstância do tempo que temos? Com o tempo da atenção do público? Afinal, qual é o tempo que você tem pra dança?
* Henrique Rochelle é crítico de dança, membro da APCA, doutor em Artes da Cena, com pós-doutoramento pela ECA/USP, onde foi Professor Colaborador, e é editor do site Outra Dança.