Pensando na sua dança, qual é a distância entre tudo que estava nos seus planos e o que deu pra fazer?
Em tempos de muito trabalho e pouco espaço pra vários dos planos, a gente frequentemente se vê naquela situação em que acaba conseguindo fazer menos do que queria, mas ainda assim mais do que achava possível: não era o plano, não é perfeito, não é o ideal — é o que deu pra fazer.
A minha relação com a dança é cheia desses momentos. A gente assiste o que deu pra assistir. A gente escreve sobre o que deu pra escrever. Publica o que deu pra publicar. E divulga o que deu pra divulgar.
O como lidar com esses desequilíbrios, especialmente em campos ligados às artes, é uma ciência muito imprecisa. Na outra ponta, em quem recebe as coisas, sempre tem a chance de que algo a menos pareça desleixo, pareça descaso. A pergunta que eu me insisto, tanto como público, observando “o que deu pra fazer” de uma obra, como enquanto editor, nesse lugar de publicar sobre dança, é sempre a das condições: quais as condições da realização desse trabalho?
Tentar entender contextos sempre ajuda a entender como as coisas se tornam o que elas são: uma mistura desnivelada entre “o que sonhávamos” e “o que deu pra fazer”. Que não se torne uma muleta, uma eterna justificativa pra algo que falta, mas que abra o caminho pra um pouco de compaixão, e não condescendência. É um olhar que precisa ser construído, precisa ser incentivado, nem sempre é óbvio ou espontâneo. Mas ajuda a equilibrar os ânimos, apaziguar as insatisfações. E aumenta a gentileza entre as partes.
Reconhecer limites é um bom começo. As coisas não acontecem a 100% como gostaríamos, porque somos limitados. Frente aos limites, escolhas precisam ser feitas. Nem sempre são as escolhas ideais, nem sempre são as mais acertadas… você já sabe onde eu quero chegar: é o que deu pra fazer.
A percepção do limite próprio desenvolve a capacidade de ver o limite do outro. E a percepção do limite do outro, ajuda a construir uma aceitação do limite próprio. Às vezes a gente passa por cima dessa percepção. Enxergando só o que aconteceu, e tentando se convencer de que isso é perfeito, é o bastante, é o ideal. Ilusão não costuma levar a bons lugares. Reconhecer o limite me parece mais saudável. Lidar com “o que deu pra fazer” justamente como o que deu pra fazer.
Por aqui, tempo e trabalho têm consumido um tanto do espaço que eu gostaria de dedicar ao Outra Dança. O que eu queria? Mais críticas, uma divulgação mais intensa, coluna absolutamente toda semana. O que deu pra fazer? Um tanto menos. Equilibrando pratos, vamos tentando direcionar as forças. O tempo tá curto demais pra fazer textos completos de crítica? Bora investir em Crítica de Minuto, que sai um tanto mais rápido. Falta tempo pra organizar mais posts de reflexão? Bora fazer mais posts de divulgação, e tentar espalhar dança.
Com o tempo passando, a situação da falta de uma atenção ideal acaba incomodando mais. Persiste. Ai nesses casos, a gente precisa mesmo é olhar pra trás. Toda semana que eu não consigo acabar um texto pra coluna, eu me esforço pra lembrar que já são 112 publicados. Tá tudo bem respirar. Toda semana que não sai uma crítica de minuto, eu me esforço pra lembrar que foram mais de 60 publicadas. É menos do que eu gostaria, mas é muito mais do que teria sem essa contribuição. E todo mês que (de novo) não sai um texto de crítica do tamanho que eu gostaria, com a dedicação que eu gostaria, eu me esforço pra lembrar que nesses últimos 10 anos já foram 200 textos publicados. Tá longe de ser nada.
Veja… não é exatamente o que eu queria. Não é perfeitamente o plano, e me incomoda a distância entre o concreto e o desejo. Não é tudo que poderia ser, mas é o que deu pra fazer. E às vezes a gente precisa aprender a se orgulhar disso. Pra você, quais são as coisas que ficam nesse “o que deu pra fazer”?
* Henrique Rochelle é crítico de dança, membro da APCA, doutor em Artes da Cena, com pós-doutoramento pela ECA/USP, onde foi Professor Colaborador, e é editor do site Outra Dança.