LABORATÓRIO DA DANÇA

Inventividade no campo da criação coreográfica

Segunda, 04 de Junho de 2018 | por Rui Moreira |

 “Tem coisas que nos deixam sem palavras. E tem coisas que as palavras não dão conta de dizer. É aí que entra a dança” (Pina Bausch).


Como artista bailarino, intérprete criativo e também criador, coreógrafo e em alguns casos diretor de movimento eu tive a oportunidade de experienciar um numero grande de ações e diversas etapas criativas em empreendimentos institucionalizados como: companhias de dança, trupes de teatro, produções cinematográficas, programas televisivos, em escolas normais publicas e privadas - em ações espontâneas e coletivas como: organizar coletivos artísticos agrupados espontaneamente, coletivos de sensibilização através da arte da dança com pessoas de diversas as idades e origens, manifestações culturais como escolas de samba, cortejos religiosos, participei também projetos individuais, alguns autorais e outros por convites específicos. Cada uma destas experiências me demandou uma competência e um aprendizado diferente. Considero tudo importante. Dada esta multiplicidade de desafios considero fundamental estimular o exercício da criação de coreografias autorais.

A meu ver, é imprescindível que haja espaços e incentivo para que as pessoas possam exercitar sua inventividade no campo da criação coreográfica.

Gosto de pensar que coreografia é a criação de trilhas ou roteiros de movimentos que compõem uma dança dramática, e que o ato de coreografar é uma forma de desenhar ou organizar o espaço com o movimento corporal. 

Existem várias formas de dançar e diversos são os motivos que provocam coreografias.  Comunmente, as pessoas organizam suas danças a partir da particularidade das suas experiências corporais, de suas emoções e utilizando-se de gestos universais. São experimentações muito especificas onde se busca atender a apelos sociais ou artísticos e subjetivos – onde o próprio indivíduo significa, contextualiza e atua.  Daí, coreografias podem surgir de improvisos catárticos - espontâneos ou induzidos, mas ao serem repetidas as atitudes corporais e os caminhos das cartografias da memória, os processos se transformam em partituras com materialidade explicita.

Em um espaço de exploração criativa, é possível aprender, aprimorar e tecnicizar a capacidade de inscrever gestuais descritivos ou abstratos com sentido estético e poético. Portanto, quanto mais espaços e oportunidades de radicalizar o exercício da criatividade, mais o individuo vai se colocar disponível para a liberdade que a arte sugere.

Outro possível ganho neste procedimento criativo é o aprimoramento do olhar crítico sobre movimento dramatúrgico, ou seja, o estreitamento da relação da percepção pública de quem recebe ou aprecia a expressão do artista através da obra de arte.


- Criação coreográfica - Criação coreográfica quase sempre é um processo premeditado, minimamente planejado, mas nem por isso tem uma regra ou receita específica. Normalmente é resultado da sequencia de atos ou momentos que podem não ter nenhuma lógica aparente. Aliás, isso é lindo, pois as expectativas nascem da organicidade que a ação tende a expressar.

Na criação de uma dança coreografada, são legitimadas muitas formas de aculturação. O “um” apreende o movimento do “outro” e o “outro” o do “um”, e nesta relação, todos envolvidos com as emoções e motricidades especificas ali trocadas acabam encontrando sentido para tudo o que acontece neste preclaro momento. São tão diversas as percepções das maneiras de dançar quanto são inúmeras as formas de invenção destas danças.

O primeiro objeto de uma criação acaba sendo o “imenso nada”. Podem ser eleitos elementos para argumentar uma criação, mas a subjetividade se transforma em instrumento transformador de signos e significados, em elementos significantes – os movimentos se transformam em códigos através dos quais é possível a compreensão de subtextos indizíveis. 

Versa-se sobre o “nada” – ou seja, o que ainda não existe ou o que está para ser desvelado. Isso é feito de maneira repetitiva até que este “nada” se transforme em algo palpável. No primeiro momento a tendência é que a materialidade se faça primeiro entre os que estão envolvidos com o processo, depois para aqueles que abrem sua percepção sensorial para esse ritual sobrenatural. E isso que pode causar admiração e encanto coletivo.

O primeiro espectador público dos processos criativos são os próprios participantes. Normalmente deles partem retornos que acabam se transformando nas primeiras noções do processo. Esse retorno acaba desvelando dimensões e lugares de adequação que situam as tendências da obra de arte em curso.

As ideias, que são campos psíquicos subjetivos, em contato com motricidades corporais - que mesmo sendo elementos práticos são também conjuntos subjetivos - efetivam a construção de uma narrativa dramática que denotam um arrimo sensorial que expressa uma qualidade material para o nada. O olhar do espectador acaba por cumprir um papel de catalisador. Não tendo a mesma informação que os atuantes o espectador é capaz de criar um lugar inédito e com requalificações importantes, muitas vezes em inobediência às pretensões que os protagonistas criadores emissores propõem. E aí se dá a magia. É quando a liberdade proposta pela arte contagia e ganha espaços de perpetuação e sintonia entre o emissor e o receptor.


- O coreógrafo - Não sei dizer se existe ou não uma cronologia específica de transição de criatura para criador - bailarino intérprete ou intérprete criador para coreógrafo – acho que depende muito das distintas formas de inscrever coreografias dentro dos diversos processos e objetivos fins.  Por vezes um artista intérprete ou intérprete criador pode se tornar coreógrafo, mas há casos em que um especialista em alguma motricidade extraordinária ou com um conhecimento específico, seja ritualístico ou hereditário, ou outros, mesmo sem nunca ter sido “artista” pode conduzir o desenhar de corpos no espaço e até mesmo conduzir catarses de gesto coletivas.   

O coreógrafo pode ser entendido como fonte geradora do movimento que será apreendido por um intérprete, mas também, pode ocupar-se na função de “facilitador” da materialização de subjetividades gestuais em função de contextos específicos.  Usualmente é aquele que estimula criativamente o artista intérprete ou criador – ou até mesmo pessoas simples que se coloquem à disposição do ato inventivo.


- Relações intérpretes coreógrafos - Para o coreógrafo é viável e interessante incentivar os intérpretes que queiram coreografar. Eu acredito que são várias as formas de incentivo percebidas durante um processo criativo, mas esse estímulo mútuo - coreógrafo e intérprete - pode acontecer de maneira profícua, se ambas as partes pactuarem esta troca. Em todas as situações eu penso que intérpretes, ou intérpretes criativos, ou intérpretes criadores, são incentivados a colaborar com a coreografia, pensando, sugerindo caminhos para compor textos ou para ajudar a solucionar as questões postas pela obra de arte.

São diversos os projetos de criação coreográfica, e cada um deles tem características distintas. Entendo ser a criação coletiva uma das mais complexas formas de criar, porém muito rica. Este processo exige muita maturidade e doação de todos. Existem situações cujo envolvimento coletivo do elenco é o projeto, já em outras situações definitivamente não é esta a decisão.



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Rui Moreira

Bailarino, coreógrafo e investigador de culturas



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