CALENDÁRIO DA DANÇA

ENTRE - linhas que se desenrolam em fluxo contínuo

Imagem: Entre. Foto de Victor Gabriel | Sexta, 09 de Novembro de 2018 | por Marcus Moreno |

Linhas se desenrolam em fluxo contínuo, desdobram-se em outras linhas que bordam o espaço-chão e costuram uma paisagem de corpos. O desenrolar está ali, posto como o caminhar de alguém pelo centro de um espaço, seja pertencente a qual geografia for; como alguém quem constrói seu fazer diário, seu trabalho; como Moiras que fabricam, tecem e cortam aquilo que seria o fio da vida de todos os indivíduos. Assim se inicia o encontro do espectador com a obra E | N | T | R | E, dirigida pelo artista piauiense Datan Izaká e apresentada no contexto do projeto Modos de Existir[1], realizado no SESC Santo Amaro. E os fios seguem em cruzamento, em redes que se encontram coreograficamente, por atravessamentos que começam com a matéria, com a concretude tecida pelos três corpos no espaço. Insistir parece ser o verbo.

A luminosidade concentra, aguça a percepção, de modo que se faz possível despertar para notar o cheiro, o calor, as distâncias entre os corpos que estão no centro, ou ainda entre os corpos imóveis sentados que presenciam a cena. Há algo de íntimo ali. O mesmo acontece com a sonoridade: uma vibração insistente ressoa como onda vinda de um ambiente fisiológico, o que se transforma em imagem, fazendo do emaranhado de fios, veias; vasos; artérias; circuitos; neurônios.

Contração. Expansão. Contração; expansão. Contração-expansão. Contraçãoexpansão…

os poucos vai se estruturando a criação de um estado físico nos corpos insistentes, de modo que a dança faça ser instaurada uma ambiência coletiva. O observador comunga dessa ambiência ao mesmo tempo em que vai sendo silenciado e a contraçãoexpansão, que parece já não caber mais naqueles corpos, faz com que eles comecem a se amalgamar, escorrendo como uma massa única, engolindo, e porque não dizer, corporificando os fios do espaço-chão. A delicadeza é imensa, e assim mesmo é capaz de provocar inquietação, já que no tempo presente há algo de certa maneira intangível quando se depara com o tema da proximidade, e o corpo - aquilo que há de mais humano enquanto imagem concreta - provoca em muitos casos estranheza, dúvida, repulsa. O corpo vem sendo proibido em distintos contextos e o diálogo a partir este, cada vez mais velado, e é nesse ponto que se observa a importância de existirem poéticas como as que são construídas pelo engajamento dos intérpretes Daline Ribeiro, Hellen Mesquita e Ireno Gomes.

A qualidade do deslocamento é tão precisa e os encaixes entre os membros tão orgânicos que a massa, ao se deslocar num único bloco, consegue ganhar velocidade, circulando com força centrípeta tamanha que seria capaz de atravessar tudo por onde passar. Exaustão. Poderia toda esta afetividade vibrar a ponto de se dissipar por outros cantos mundo?

Pausa.

É possível ver uma montanha por todos os lados.

A luz se movimenta lentamente. A luz parece suspirar enquanto o tempo passa, latente.



[1] http://modosdeexistir.sescsp.org.br/


*Este texto foi escrito a partir do Workshop Crítica-ETC, ministrado pelo crítico e jornalista Carlinhos Santos. Carlinhos é Mestre em Educação e especialista em Corpo e Cultura - Ensino e Educação, pela Universidade de Caxias do Sul. A atividade integrou a programação do evento Modos de Existir // Módulo 8: Dançando com Artistas-etc, realizado no SESC Santo Amaro entre os dias 23 e 25 de Agosto, com curadoria de Cláudia Muller e Marcos Villas Boas.

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Marcus Moreno

Artista da dança e gestor cultural



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