Nem sempre a dança que interessa pra alguém é a arte profissional. As distinções importam, mas existe força em aproximar diferenças.
Quando a campanha do #danceemcasa foi lançada, eu achei que veria um monte de registros das companhias profissionais e de seus bailarinos, mostrando como eles mantêm as atividades e a dança, durante a pandemia.
Mas, na real, o resultado apontou algo que é bem maior: não os artistas da dança ilustrando como mantêm viva a sua arte, mas gente de tudo quanto é área mostrando que a dança faz parte das suas vidas.
Às vezes, a gente fica tão restrito a falar de quem faz arte profissional, que deixa escapar da cabeça o quanto esse número é (e precisa ser!) multiplicado pra dança fazer sentido na sociedade como um todo.
Aqui, eu falo também daqueles que estudam e praticam dança, sem a intenção de se profissionalizarem. Mas sobretudo daqueles que buscam a dança como forma de diversão, de entretenimento, de passatempo, ou até de atividade física.
Entre os TikTokers e os profissionais da dança tem todo um universo de possibilidades.
O arriscado é perder as distinções: a estrutura das redes sociais abre espaço pra falar sobre aquilo que é cênico — feito para ser assistido — e aquilo que é social — feito pra ser partilhado e compartilhado. Mas coloca todas essas formas no mesmo modo de operação.
Enquanto a estrutura profissional cênica surge da divisão entre o quem faz e o quem assiste à dança, o princípio das redes sociais insiste na reprodução, na cópia, na equalização de possibilidades e de participação.
Navegar por esse terreno é um exercício constante de separar o que é o quê.
Se por um lado a distinção é fundamental, por outro, existe um alívio em se deixar perder num mar de integração. Esse momento mostra pra gente o como a dança profissional continua, mas ele também chama a atenção pra um outro lado, e coloca luz sobre um tanto mais de gente pra quem a dança importa.
Importa como exercício, como hobby, como interesse, como expressão, como gosto, como objeto. Mas importa. E esse é o nosso nível comum. Não somos nós, e eles os outros. De certa forma, é tudo gente que se interessa por dança.
E a força desses números alerta pra relevância a ser dada pro conjunto. Porque a importância de insistir e investir em dança se reflete na dança como arte, como profissão, mas sobretudo enquanto parte da vida e da sociedade.
É isso que a gente discute quando fala de democratização da dança. Ou pelo menos deveria ser. Um entender que a dança chega de formas diferentes pra pessoas diferentes. E que existe força em aproximar essas diferenças.
* Henrique Rochelle é crítico de dança, membro da APCA, doutor em Artes da Cena, e Professor Colaborador da ECA/USP. Editor dos sites da Quarta Parede, e Criticatividade.