Bienal Sesc de Dança 2023

Um evento se faz de pessoas e escolhas: essa semana, a Bienal Sesc de Dança lançou sua programação de 2023, nos anunciando as suas  

Uma maratona de dança — é como costumamos ver os grandes eventos e festivais. Cada vez menores, continuamente reduzidos, com maiores dificuldades de verbas e de manutenção, os festivais têm multiplicado em quantidade, mas diminuído em intensidade e em programação. Não é o caso da Bienal Sesc de Dança. Depois de uma última edição completamente online e pandêmica, o ano de 2023 vê o retorno ao formato presencial, que ocupará diversos espaços de Campinas entre 14 e 24 de setembro. 

A Bienal foi lançada essa semana, em evento para imprensa e convidados no Sesc Campinas, que recebe a programação desde 2015 (antes alojada no Sesc Santos). Com o anúncio da programação e uma conversa com parte da equipe de curadores, vemos o destaque dos esforços da tentativa de promover encontros — novos encontros e muitos reencontros —, que resultam na programação de 60 atividades, entre 24 espetáculos, 11 performances, e um bloco amplo e contínuo de atividades formativas, incluindo residências, experiências, aulas abertas, aulas magistrais, conversas e oficinas, além do já tradicional ponto de encontro, espaço aberto com shows, discotecagem, performance e pista de dança. 

Essa edição da Bienal surpreendeu e causou incômodos já no início do ano, com o anúncio de que não seria aberta a chamada para envio de propostas de espetáculos. Sem a possibilidade de se inscrever para uma possível consideração, uma parte de artistas e produtores se sentiu deixada de lado: como se só aqueles que tivessem proximidade com a equipe de curadores tivessem chances de compor a programação. 

É uma articulação complexa. O trabalho curatorial é um trabalho de bolha, ao mesmo tempo em que é um trabalho de descoberta de bolhas outras. O incômodo com a impossibilidade das submissões chama a atenção sobretudo porque tem um caráter performativo: não é que uma obra é escolhida só porque foi submetida, mas perder a impressão, a percepção de uma possibilidade de acesso, de uma chance, pesou. 

Digo possibilidade porque as últimas edições da Bienal, mesmo com chamadas abertas, foram povoadas intensamente por figuras repetidas. A lógica em operação, tanto antes como agora, continua sendo a das organizações e arranjos pelos curadores. O que perturba, nesse evento de curadoria tão em destaque, frequentemente é a aparência discreta dos curadores, que em edições passadas falaram pouco, se colocaram pouco, e nos disseram pouco — além da percepção indireta de suas preferências e das danças que conhecem. 

Pra edição de agora, tivemos um encontro com parte da equipe de curadores. E, apesar de ainda não termos textos da curadoria, ali, na conversa, foi possível entender várias das questões que os moveram, desde dezembro de 2022, na composição dessa edição. Essa apresentação, essa disponibilidade, essa abertura pra falarem e serem questionados sobre as escolhas, sobre as representatividades, e sobre as faltas dessa programação, abre um vislumbre de um tempo melhor pra Bienal Sesc de Dança. 

Depois dessas falas, eu não espero ouvir pelos corredores de Campinas, como ouvi em edições anteriores, curadores fugindo de assumir as responsabilidades da função. Dizendo “isso aqui não fui eu que escolhi”, ou tentando desconversar o efeito e a responsabilidade de assinar a curadoria do único evento desse porte que a dança ainda tem em São Paulo. Assinatura, inclusive, é coisa importante, e não dá pra esconder os sujeitos atrás dos cargos. Dizer que é uma curadoria “por programadores do Sesc São Paulo” e nomear convidados externos não dá conta — ainda que nessa edição, a convidada externa, Soraya Portela traga calor, identidade, e um tanto de provocação muito bem vindas pra Bienal. 

Essa programação não “aconteceu”. Ela não brotou espontaneamente. Ela não é uma seleção feita a partir da própria classe. Ela não é só uma colagem de possibilidades que se encaixavam. Ela é fruto de decisões e escolhas conscientes e longamente trabalhadas por sete indivíduos, em condições específicas. Queremos saber quem são eles, não só seus nomes. Queremos saber o que os move, e quais são “as experiências tão distintas em dança” que foram bastante mencionadas no lançamento, e que resultam nessa Bienal.

Aguardamos ansiosamente seus textos curatoriais, pra podermos continuar a conversa de como se forma essa programação, e de qual é o papel que a Bienal Sesc deseja ter na dança — frente a qual o papel que a dança deseja pra Bienal Sesc. 

 

* Henrique Rochelle é crítico de dança, membro da APCA, doutor em Artes da Cena, com pós-doutoramento pela ECA/USP, onde foi Professor Colaborador, e é editor do site Outra Dança.

Henrique Rochelle

Henrique Rochelle

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Crítico de dança, Doutor em Artes da Cena (Unicamp), Especialista em Mídia, Informação e Cultura (USP), fez pós-doutoramento na Escola de Comunicações e Artes (USP), onde foi Professor Colaborador do Departamento de Artes Cênicas. Editor do site Outra Dança, é parecerista do PRONAC, redator da Enciclopédia Itaú Cultural, Coordenador do método upgrade.BR de formação em dança, e faz parte da Comissão de Dança da APCA desde 2016.