O tempo corre e parece que está sempre em falta: na sua vida e na sua dança, te falta tempo pra quê?
Sabe aquele dia em que não sobra tempo pra encaixar as coisas, e elas se atropelam pro dia seguinte? Sabe quando esse dia se enrola pra próxima semana, e aquelas vezes que ele só vai escorrendo pro mês que vêm? Então… como você escolhe o que priorizar quando o seu tempo simplesmente está em falta?
Esse assunto é importante e é pessoal: os meus últimos meses têm sido uma correria danada. No caminho, algumas coisas ficaram atropeladas, e eu já me enrolo em promessas pra mim mesmo: “semana que vem eu consigo fazer isso”, “mês que vem tudo dá uma acalmada”, “já já tem recesso e ai dá pra tirar os atrasos”. Na verdade, eu tô desde julho dizendo que o próximo mês vai ter mais tempo…
Pra trás, uma lista de coisas que ficaram por fazer: críticas que eu não tive tempo de escrever, coreografias que eu não consegui assistir, colunas que eu não consegui publicar.
Lidar com a falta de tempo é uma constante. Na vida, pra esses tempos ocupados, mas também pra dança. Tem algo fantástico de assistir os ensaios nos últimos dias antes de uma obra estrear, que é ver aquele momento em que todos os envolvidos já sabem que não vai dar tempo de tudo: simplesmente não cabe nas horas do dia o tanto de trabalho que eles queriam fazer.
E ai, entram as escolhas. Uma obra estreia, mas ela não se torna intocável, então dá pra mexer ainda, dá pra trabalhar ainda, pra explorar e modificar. Essa característica viva fica encantadora nesse momento de prazo estourando. Vai estrear. Vai ser desse jeito. Já sabemos que vamos mexer em tal coisa logo depois que passar essa temporada. Mas, hoje, o que dá pra fazer é isso.
Se a temporada for longa, você consegue ver diariamente o que muda. Os resultados dos ensaios, correções, das passagens completas. O efeito de reconhecimento, que só é possível quando o elenco vai ficando mesmo confortável com o trabalho, ali, na cena, no dia a dia.
Eu sempre invejei essa organicidade das artes da cena — as artes ditas vivas. Alterar um texto é mais complicado, às vezes impossível. O limite do prazo acaba pesando um tanto mais definitivo: é isso que vai ser publicado e vai estar assim pra sempre. Não dá pra rever mais uma vez depois. Não dá pra modificar aquele parágrafo incômodo, aquela palavra que ficou desajustada, aquela metáfora que não fez tanto sentido, aquela frase que não caiu bem…
Publicando aqui, no digital, por conta própria, fica um pouco mais fácil essa possibilidade. Ainda dá pra editar. Mas o que é que aquela frase dizia? — três coisas que não voltam atrás: a flecha lançada, a oportunidade perdida, e a palavra pronunciada. O tempo tem deixado evidente que a palavra apagada (mesmo online), não está tão apagada assim, e às vezes também não tem volta.
No palco, no corpo, a dinâmica é outra. O tempo vai deixando a dança assentar no corpo do intérprete, e o intérprete assentar na dança. O tempo também às vezes deixa a plateia assentar nas obras: tem obras que levam tempo pra plateia conseguir digerir — mas isso é coisa pra outra coluna, porque hoje já não dá tempo de avançar nesse assunto… Na sua dança, te falta tempo pra quê?
* Henrique Rochelle é crítico de dança, membro da APCA, doutor em Artes da Cena, Professor Colaborador da ECA/USP, e editor do site Outra Dança.
*Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal MUD.