Crédito das Fotos: Wilian Aguiar
Relato pessoal sobre a auto-imagem das bailarinas
Por Patricia Alegre
Recentemente andei mexendo em álbuns de fotografias de 15, 20 anos atrás, de minha adolescência bailarina. Embora essas fotos fossem registros de momentos muito felizes de minha vida na dança, mesmo lembrando delas com carinho e tendo tido vontade de revisitá-las, por todos esses anos evitei olhar para elas. Tinha um medo oculto do que veria ali.
Dos meus 12 até os 20 e poucos anos, tive a plena convicção de que meu corpo não era adequado para o balé. Um comentário recorrente de jurados de festivais competitivos que participei era: “precisa cuidar do físico”. Ou seja: para dançar e ter uma melhor nota na competição, precisava ter um corpo semelhante a um modelo que aqueles jurados consideravam ideal para o balé clássico. Anos depois, quando resolvi abrir o álbum, continuava com a ideia que que, ao encarar aquelas imagens veria em mim uma bailarina gorda, como diziam não só os jurados mas os coreógrafos, alguns professores (não todos!), colegas e eu mesma.
Patricia Alegre em A Bela adormecida. Crédito da foto: Renato Hatsushi
Para minha surpresa, quando tive a coragem de olhar as fotos, não vi nenhuma gorda. Nem eu, nem minhas colegas de dança. Vi adolescentes e jovens adultas apaixonadas por uma arte. Rememorei aquelas experiências tão especiais. Porém, lamentei o fato de naquela época não ter reconhecido e aproveitado mais minha paixão pela dança justamente por não me considerar suficientemente magra, a ponto de por anos nem querer olhar para aqueles registros. Ficou claro que minha auto-imagem era distorcida. E mesmo que estivéssemos todas “acima do peso”, não haveria justificativa para a repulsa. Eram pessoas fazendo algo que amam. O “estar gorda” ou “estar magra” nem deveria entrar em jogo. Mas infelizmente entra, e não só no balé, já que esse ideal de magreza está em toda parte e afeta a auto-imagem principalmente das mulheres.
Eu nunca tive nenhum transtorno alimentar e nunca fui uma pessoa que leva dieta muito a sério, mesmo sabendo que isso me custaria dançar na fila de trás ou perder aquele papel principal. Talvez porque – por sorte – esse padrão estético nunca me convenceu.
Ainda assim, tinha como ideal para o balé clássico a magreza das bailarinas que via nos vídeos das grandes companhias, ou daquelas que ganhavam os primeiros prêmios nos festivais. Por isso o medo oculto de revisitar as fotos permaneceu até outro dia. Isso é muito sério e precisa ser debatido. E mesmo que eu fosse de fato gorda, não deveria ser um motivo de vergonha, apesar do padrão preestabelecido pelo balé e pela sociedade.
Não culpo aqueles jurados, professores e colegas. Eles estavam reproduzindo sem crítica o padrão. Mas espero que hoje saibam que tal forma de lidar com o corpo na dança é equivocada e que tenham mudado seus conceitos sobre o corpo no balé. E que, especialmente os professores, respeitem todos os corpos. Porque dizer a um aluno ou mesmo um bailarino profissional que precisa emagrecer para dançar determinado papel é sim um desrespeito. Se em alguma época isso era aceito, hoje não é mais. Essa exigência precisa urgentemente mudar, no balé e no mundo ao nosso redor. Como disse Klauss Vianna em seu maravilhoso livro A Dança, “O balé clássico não é dessa ou daquela forma: ele está em movimento e continuará existindo enquanto fizer parte do mundo em que vivemos. A evolução está em todo lugar e a dança não escapa dessa lei”.
Referência Bibliográfica:
VIANNA, Klauss. A dança. São Paulo: Summus, 2005.