Crédito das Fotos: Rafael Salvador
Com peça inédita, a renomada coreógrafa cubana apresenta uma obra que explora a complexidade humana e a improvisação, no Theatro Municipal de São Paulo
O Balé da Cidade de São Paulo, sob a direção artística de Alejandro Ahmed, abre sua nova temporada no Theatro Municipal de São Paulo com uma série de apresentações que prometem encantar e desafiar o público. Uma das atrações mais aguardadas é a estreia mundial de “Piedad Salvaje”, uma obra inédita da renomada artista cubana Judith Sánchez Ruíz. Conhecida por seu trabalho com a Trisha Brown Dance Company e sua metodologia inovadora, Judith traz à cena uma coreografia que explora a complexidade humana, a improvisação, e questões sociais e políticas através do movimento.
“Piedad Salvaje” é uma criação que se fundamenta nas ideias do filósofo francês Henri Lefebvre sobre espaço e sociedade, utilizando o espaço cênico como um meio de controle e expressão política. A técnica “YOUR OWN GOD, Intensive Improvisation Method”, desenvolvida por Judith, incentiva os bailarinos a romperem com seus hábitos corporais e a mergulharem em um processo de improvisação contínua, criando uma performance dinâmica e profundamente envolvente.
Em um bate-papo exclusivo com o Portal MUD, Judith compartilha insights sobre seu processo criativo, a evolução de sua técnica, e a importância da cenografia e do conceito visual em suas produções. Vamos descobrir como “Piedad Salvaje” aborda temas profundos da existência humana e como Judith trabalha para assegurar a criatividade e a expressão autêntica dos bailarinos.
Você desenvolveu a técnica “YOUR OWN GOD, Intensive Improvisation Method”, como ela evoluiu ao longo do tempo?
JS: Minha metodologia de dança é baseada no processo de criação como coreografia, descende desse gosto intensivo pela improvisação. Nos anos 90, um processo criativo durava seis meses; em 2024, dura apenas quatro ou seis semanas. Essa evolução reflete a necessidade de adaptar a técnica e a criatividade ao ritmo acelerado da produção contemporânea.
Como e a improvisação influencia seu processo criativo?
JS: A improvisação é uma parte fundamental do meu processo, permitindo que a dança seja vivida de forma espontânea, mas técnica. Uso meu processo criativo como método de ensino para garantir que os bailarinos possam explorar sua criatividade dentro de uma estrutura funcional.
O que você acredita ser necessário para assegurar a criatividade dos bailarinos durante o processo de construção da obra “Piedad Salvaje”?
JS: Acredito que ensinar minha metodologia intensivamente, mesmo em poucas semanas, é crucial para assegurar que os bailarinos sejam criativos. Integro a improvisação de forma digerida e conceitual, garantindo que a coreografia seja assimilada e a improvisação aconteça de maneira espontânea, mas controlada. O controle criativo é fundamental para um processo intenso, mas recompensador. A improvisação é uma parte crucial da minha metodologia, usada não apenas como uma técnica, mas como um meio para desenvolver a criatividade e romper hábitos. Desenvolvi exercícios para ajudar os bailarinos a sair de suas zonas de conforto e explorar novas formas de movimento. Enfatizo a importância de sentir o tempo e o espaço, e de ter consciência somática. Isso não é algo que se aprende rapidamente, mas requer prática intensiva. A improvisação é ensinada como uma especialização, com foco em permitir que os bailarinos encontrem novas maneiras de se mover e de se expressar criativamente. Mas Piedad Salvaje é toda coreografada; a improvisação foi utilizada como método no processo criativo para construir a obra.
A obra é inspirada pelas ideias de Henri Lefebvre sobre espaço e sociedade. Como você utilizou o espaço cênico para explorar essas ideias na obra?
JS: A educação dos bailarinos contemporâneos deve ir além da técnica e incluir uma compreensão profunda da fisicalidade existencial. Todos esses 30 anos de minha carreira aprendi a valorizar meu conhecimento como um diamante precioso e, também, sinto um forte senso de responsabilidade em compartilhá-lo com outras pessoas. A informação e o conhecimento são como diamantes e devem ser passados adiante. É essencial que os bailarinos não apenas aprendam movimentos, mas compreendam a importância de sua própria criatividade e identidade dentro da dança. Valorizar a qualidade do trabalho e dar confiança aos bailarinos para que encontrem sua própria voz criativa é fundamental. Acredito que a autenticidade define a nossa identidade e a vulnerabilidade é a melhor porta de entrada para isso. Na estruturação da coreografia trabalho com camadas e o desenho e a escrita são uma grande parte do meu processo de criação.
A fotografia, como camadas, influencia muito meu trabalho, especialmente a multidimensionalidade. Me inspiro na técnica de Trisha Brown e na maneira como ela utiliza o espaço, o que me fascina profundamente. Tendo a usar o corpo como se fosse uma orquestra com iniciações múltiplas, criando uma composição multidimensional que se entrelaça com o espaço e o tempo. Para mim, é importante entender essas dimensões fisicamente e cientificamente, pois isso amplia as possibilidades criativas e técnicas, sem limitar o corpo a uma única direção.
Como você integra a performance a improvisação no treinamento diário dos bailarinos?
JS: Integro a performance e a improvisação de forma prática e constante. Em meus workshops internacionais, dedico duas horas à técnica, três horas à improvisação e a última hora para performar o que foi desenvolvido. Dessa maneira, os bailarinos não apenas praticam a improvisação, mas também a performam diariamente, o que solidifica suas habilidades criativas. Isso resulta em um desempenho mais completo e em uma compreensão mais profunda do processo criativo, além de permitir que eles se adaptem rapidamente a diferentes situações performáticas.
Você menciona que Piedad Salvaje é um hino ao sacrifício humano e evoca uma fisicalidade da nossa existência. Como você trabalhou com os bailarinos para expressar esses conceitos complexos através da dança?
JS: Acredito que o uso inovador do espaço ou composição é essencial na coreografia. Eu vejo a cenografia não apenas como um pano de fundo, mas como um elemento ativo que pode manipular e influenciar os sentimentos e a percepção do público. Meu interesse na composição espacial vai além da simples dança e inclui uma análise de como o espaço pode ser usado politicamente e socialmente. No entanto, prefiro manter a fisicalidade em destaque e uso a cenografia como uma sugestão física que complementa a performance, sem competir com ela. Nos últimos anos, tenho explorado divisões espaciais para refletir sobre as divisões sociais e existenciais que enfrentamos, utilizando a cenografia para criar uma sensação de asfixia e confinamento que ressoa com as crises contemporâneas.
Começamos com uma cena de técnica rigorosa e depois passamos por cenas que exploram a migração e a necessidade humana de relocação. Cada cena acumula uma substância que se reflete no movimento e nas ideias apresentadas, criando uma linha narrativa ao longo da obra como um todo. Essa forma de estruturar a coreografia permite uma transformação contínua das técnicas e dos vocabulários de movimento, enriquecendo a peça com uma diversidade de maneiras de perceber e expressar o movimento. É um trabalho que vai desde a técnica até a fisicalidade humana, criando uma experiência rica e poética.
Qual é o papel da cenografia e do conceito visual em suas produções?
JS: A cenografia e o conceito visual desempenham um papel fundamental em minhas mais recentes produções. As luzes, o vestuário e os elementos visuais são extremamente importantes para criar a atmosfera da peça. Cada elemento visual contribui para a poesia e a narrativa da performance. Por exemplo, em Piedad Salvaje, utilizamos cenografia para representar a dualidade e a divisão, criando uma sensação de confinamento e asfixia que ressoa com temas existenciais e sociais. A cenografia é cuidadosamente planejada para não competir com a fisicalidade dos bailarinos, mas para complementar e intensificar a experiência performática, mantendo sempre uma conexão profunda com o conceito da peça.
TEMPORADA PIEDAD SALVAJE
Com concepção e coreografia de Judith Sánchez Ruíz e direção musical e composição original de Maria Beraldo
De 07 a 15 de junho (exceto dia 10).- Terça a sexta-feira às 20h; sábados e domingo às 17h
Theatro Municipal de São Paulo (Praça Ramos de Azevedo, s/n – República, São Paulo – SP, 01037-010)
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