Crédito das Fotos: Espetáculo Caminhada. Na foto: Ruth Rachou (primeiro plano), Mara Borba (segundo plano), Rui Frati, Thales Pan Chacon e Julio Villan (terceiro plano) (da esq. para a dir.). Local: Teatro de Dança Galpão - São Paulo - SP - Brasil. 1974. Fotógrafo: Seb
A efervescência que conhece a dança contemporânea brasileira hoje encontra seus ancestrais no movimento ocorrido no Teatro Galpão de Dança, em São Paulo, entre os anos de 1974 e 1981.
O sopro de vida à empreitada foi dado por Marilena Ansaldi, então à frente da Comissão de Dança da Secretaria de Estado da Cultura. Assim, em março de 1974 e em meio à ditadura militar, foi inaugurado na Sala Galpão do Teatro Ruth Escobar, um espaço oficial e financiado pelo governo do Estado exclusivamente para acolher os acontecimentos da dança paulistana, onde se disponibilizavam aulas gratuitas de diversas modalidades e apresentações de dança de caráter experimental.
Paralelamente às apresentações artísticas, havia também um projeto pedagógico, desenvolvido através de cinco disciplinas, num tempo em que a aula diária era sagrada. Frequentadas por gente de teatro como Denise Stoklos, Rosi Campos, Antônio Pitanga e outros, as aulas preparavam os corpos para as montagens que aconteciam no período da noite com a casa sempre cheia.
Foi nesse contexto de investigação do movimento e hibridismo entre as linguagens, que um grupo de profissionais construiu colaborativamente o cerne da dança contemporânea na cena paulistana, por intermédio de uma linguagem multidisciplinar, experimental e vanguardista.
A estreia extraoficial deste movimentos artístico se deu no dia 04 de dezembro de 1974 com o espetáculo “Caminhada” de Célia Gouvêa e Maurice Vaneau, sendo que, na avaliação de Sábato Magaldi para o Jornal da Tarde em 10 de dezembro de 1974, “Num momento em que se discute a validade de todas as linguagens, Caminhada representa um ato de fé numa comunicação nova da arte”.
Artista de vanguarda, Célia foi uma das primeiras coreógrafas em São Paulo a utilizar a dança como instrumento de oposição ao governo militar. Por ser uma arte subjetiva e composta por signos que demandam interpretação do receptor, a censura, ainda que avaliasse todas as obras que eram apresentadas, não repreendeu qualquer espetáculo por não compreender o caráter de protesto contido nas entrelinhas.
Foi com a miscelânea proposta nas aulas gratuitas de expressão corporal, interpretação para a dança, dança moderna, ballet clássico, todas ministradas gratuitamente no Teatro Galpão de Dança, que se criou uma linguagem artística muito em voga atualmente: a dança contemporânea. Aos movimentos da dança foram adicionadas pantomimas cômicas, vocalização e sonorização, além de críticas à política e ao estilo de vida da época que ainda são atuais (como na obra “Expediente” de Célia Gouvêa), dando vivacidade a uma arte multidisciplinar completa.
A contribuição para as artes cênicas é inegável, já que diversos atores participaram das aulas gratuitas ministradas no espaço como Antônio Pitanga, Rosi Campos, Denise Stoklos e foram artisticamente marcados por aquela influência. Dentro da classe da dança, outros grandes nomes foram influenciados, como Ismael Ivo, Ivaldo Bertazzo, Rodrigo Pederneiras, Zélia Monteiro e Lia Rodrigues, que são nomes importantes no cenário atual da dança brasileira.
Dos espetáculos experimentais apresentados podemos destacar alguns: “Pulsações” e “Expediente” de Célia Gouvêa Grupo de Dança; “Certas Mulheres” de Sonia Mota, Mara Borba e Susana Yamauchi; “Entrelinhas” do Ballet Stagium; “Margarida Margô do meio fio” de Clarice Abujamra; “Os amantes tristes” de Juliana Carneiro da Cunha; “Vivências” de Ruth Rachou, e muitos outros.
A genialidade deste movimento artístico foi enaltecida pelo crítico Lineu Dias ao Jornal Estado de São Paulo em 31 de outubro de 1975:
“(…) o Teatro de Dança dá mais um passo na surpreendente vocação que vem revelando: a de ser um santuário da criatividade e da inteligência, uma ponta de lança vanguardista, em meio à renúncia quase geral às experiências”.
Isto denota a contemporaneidade do assunto, pois foi com a tempestade criativa e coragem dos artistas daquele movimento que se desenvolveu uma nova forma de criação e expressão artística que respinga até hoje como fonte de inspiração para artistas contemporâneos de grande projeção nacional e internacional.
É impossível olhar para o presente sem buscar no passado as pegadas que contribuíram para a construção de toda a caminhada. Portanto, é conclusiva a importância de resgatar e reanalisar o embrião de um movimento ocorrido há quatro décadas, para então compreender o cenário atual da dança contemporânea e, quiçá, traçar novos rumos.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
NAVES, Cássia – DANÇA MODERNA, Cassia Navas, Linneu Dias – São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, 1992.
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