Foto: Edouard Fraipont
Faleceu nesta segunda-feira, 28 de julho de 2025, aos 92 anos, o bailarino, coreógrafo e diretor Décio Otero, um dos principais nomes da dança brasileira. Fundador do Ballet Stagium, ao lado de sua companheira Marika Gidali, Décio deixa um legado artístico incomensurável, atravessado por mais de sete décadas de atuação nos palcos, na televisão, na formação de artistas e na criação de uma dança profundamente conectada com o Brasil.
Da formação à consagração internacional
Décio Otero nasceu em Ubá (MG), em 15 de julho de 1933, e iniciou sua formação em dança em 1951, aos 17 anos, no Ballet de Minas Gerais, dirigido por Carlos Leite. Foi nesse contexto que teve contato com figuras fundamentais da dança brasileira, como Angel e Klauss Vianna, com quem estabeleceu vínculos duradouros.

Décio Otero e Angel Vianna no balé “Dom Quixote”, em 1960. Fotógrafo: lannini.
Em 1956, ingressou no Ballet do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, a convite da diretora Tatiana Leskova, e tornou-se solista já no ano seguinte. Atuou ao lado de nomes como Maryla Gremo, Eugênia Feodorova, Dalal Achcar e Nina Verchinina, em um momento de efervescência do balé no país. Nesse mesmo ano, conheceu a bailarina Marika Gidali, com quem viria a dividir a vida e a construção de uma das companhias mais emblemáticas do Brasil.
Em 1959, passou a integrar o elenco do Ballet do Rio de Janeiro, dirigido por Dalal Achcar, realizando turnês internacionais e recebendo importantes prêmios, como pela sua interpretação em Pas de Deux de Cisne Negro, de Eugênia Feodorova, e Yara, de Vania Psota. Entre 1964 e 1966, atuou como bailarino no Ballet du Grand Théâtre de Genève, na Suíça, sob convite da renomada Beatriz Consuelo. Em seguida, dançou no Ballet da Ópera de Colônia, na Alemanha, onde teve contato direto com coreógrafos como George Balanchine e Harald Lander, que marcariam sua formação estética e técnica.
Em 1967, a partir desse vínculo com Lander, foi convidado para estrelar o filme musical King, exibido em Copenhagen (Dinamarca). No mesmo ano, passou a integrar o elenco da Ópera de Frankfurt, como primeiro-bailarino, consolidando sua carreira internacional.
Ballet Stagium: arte, política e identidade brasileira
Ao retornar ao Brasil em 1970, Décio reencontrou Marika Gidali e iniciou um novo capítulo em sua trajetória. A convite do Balé Teatro Guaíra, em Curitiba, participou de um curso que resultaria na proposta de criação de um programa televisivo — o histórico Convite à Dança, transmitido pela TV Cultura —, que apresentou ao público diferentes vertentes da linguagem da dança.
A parceria artística entre Décio e Marika culminou, em 1971, na fundação do Ballet Stagium, companhia paulista que se tornaria um marco na história da dança brasileira. O Stagium inovou ao colocar a dança em diálogo com o cotidiano brasileiro, com os movimentos sociais, com a cultura popular, com o teatro, a música e a educação. Décio coreografou mais de 100 obras para o grupo, muitas delas com forte teor político e cultural, como Pantanal, Kuarup, Grito, Preludiando Villa, Verde-Amarelho, Memórias do Brasil, entre tantas outras.
Sob sua direção e de Marika, o Stagium firmou-se também como um núcleo de educação e difusão artística, realizando oficinas, espetáculos em periferias e ações de formação voltadas a jovens de todo o país. A companhia tornou-se símbolo de uma dança engajada, acessível e potente.

Marika Gidali e Décio Otero dançam “Valsas e Serestas”, de 1979. Foto: Emidio Luisi.
Reconhecimento e legado
Décio Otero recebeu inúmeras distinções por sua trajetória artística. Foi agraciado com o Prêmio Governador do Estado de São Paulo, diversos Prêmios APCA e, em 2005, recebeu a Ordem do Mérito Cultural do Distrito Federal.
Publicou dois livros fundamentais: As Paixões da Dança (Hucitec, 1999), em que reflete sobre sua trajetória e o papel da arte, e Marika Gidali (Senac, 2001), uma homenagem à parceira de vida e criação.
Décio permaneceu ativo, acompanhando de perto os ensaios do Ballet Stagium, participando de eventos e encontros com jovens artistas. Ao lado de grandes amigos e expoentes da dança, Décio integrou o elenco do espetáculo Corpos Velhos, com direção de Luís Arrieta, estando em cena até o final de sua vida, um símbolo da vitalidade e entrega com que viveu a arte da dança.

Espetáculo “Corpos Velhos: Para que servem?” com Décio Otero ao centro, em 2023. Foto: Silvia Machado.
No último 15 de julho, celebrou seus 92 anos na sede da companhia, em São Paulo, rodeado por amigos, artistas e admiradores. Na ocasião, fez um discurso emocionado:
“O minuto que já passou não volta nunca mais. Então aproveitem a juventude de vocês. É muito compensador a pessoa explorar o seu interior, sua arte, suas habilidades. Presta atenção: não percam tempo! Cada minuto é valioso.”

Comemoração do seu aniversário de 92 anos.
O Portal MUD presta sua homenagem e se solidariza com Marika Gidali, familiares, amigos, colegas e toda a comunidade da dança. Seu legado seguirá vivo nos corpos que dançam, nas memórias que inspiram e no compromisso com uma arte viva, inquieta e comprometida com o seu tempo.
Portal MUD