Black Lights de Mathilde Monnier: um manifesto contra à violência às mulheres

Dentro da programação do Festival Montpellier Danse, a coréografa francesa Mathilde Monnier apresenta sua última criação, Black Lights, onde à questão da violência à mulher é colocada em evidência.

Referência na cena da dança contemporânea francesa e internacional e atual diretora do Centro Coreográfico de Montpellier, Mathilde Monnier traz em suas criações, uma dança que percorre o teatro, a música e a performance. No percurso do  Festival já apresentou 34 criações.

Para a peça Black Lights, a coreógrafa teve como ponto de partida, o documentário H24 transmitido pelo canal ARTE em 2021. Uma série de 24 episódios feitos à partir da encomenda à 24 atrizes internacionais de textos que contam fatos reais, lidos ou ouvidos, sobre a violência à mulher. Fatos esses muitas vezes invisíveis e que as mulheres sofrem diariamente.

Monnier escolheu 9 textos dessa série, aqueles que são mais carregados, principalmente de uma história corporal e agrupou em cena, 8 artistas entre bailarinas e atrizes criando uma espécie de comunidade no palco que vão denunciar, através de suas danças e textos, a violência que a banalização dos gestos e das palavras geram nas mulheres.

As 8 mulheres em cena, iniciam o espetáculo, se posicionando nas bordas do espaço do teatro de l’Ágora – uma ocupação espacial que as colocam na margem, assim como a complexidade desse tema. Aos poucos, um ritmo comum, através da figura de coro, do grupo, do apoio e da dança dá forma à um relato dançado dessas histórias de violência para criar e dar outra via à essas histórias que se ligam diretamente do texto falado ao corpo.

As artistas, vestidas de botas de salto alto, que ao longo da peça são trocadas por tênis, colocam em jogo um série de movimentos que escancaram gestos que não são aceitos como adequados às mulheres: pernas abertas, posições de quatro, movimentos de bacia – ganhando velocidade e ritmo conforme a tensão entre gesto e texto falado.

Momentos de raiva, explosões, corpos que se rebelam, se defendem e denunciam trazem à tona tensões e expõem a força e a fragilidade das mulheres.

A cenografia criada por Annie Tolleter, posiciona pedras escuras como grandes rochas pretas e de formatos diferentes. Essas pedras se inscrevem no espaço da cena e ressaltam aos olhos em contraponto à arquitetura do teatro, que tem sua estrutura com paredes medievais e claras (vale ressaltar que o edifício do teatro foi criado para ser um convento e depois teve como uso um presídio feminino antes de se tornar um teatro).

Assistir Black Lights nesse contexto, além de nos lembrar a característica medieval que a cidade de Montpellier comporta, convoca também nosso olhar para o contraponto do quão medieval e atual é o tema em questão: à violência à mulher e sobretudo a violência à corpos femininos.

Assistir essa peça de Monnier, mais do que um relato, é um “soco no estômago” que nos faz compreender essas injustiças feita às mulheres diariamente e denunciam o impacto dessa violência no nível mental e físico.

Black Lights é assim uma criação que vai da política à poética da política.

Espetáculo: Black Lights de Mathilde Monnier

Apresentação do 25 junho 2023

Théàtre de L’Ágora – cité de la danse

Duração: 1h10

Site festival: www.montpellierdanse.com

Carmen Morais

Carmen Morais

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É artista da dança, arquiteta e instrutora de yoga. Mestre em Dança pela Universidade Paris 8 com a pesquisa sobre a dança in situ/ site specific no espaço urbano. É idealizadora e diretora do “Núcleo Aqui Mesmo” que apresenta como eixo principal a pesquisa sobre arte e espaço urbano, mais precisamente sobre a questão da espacialidade em dança dentro de propostas in situ/ site specific tem como objetivo viabilizar projetos em dança in situ estabelecendo parcerias com artistas da dança e de outras linguagens artísticas, como arquitetura, fotografia e vídeo. O Núcleo tem viabilizado a criação de suas performances através de diversos prêmios e editais tais como: Funarte, ProAC e Fomento à Dança de São Paulo. Em 2015 publicou o livro  A dança in situ no espaço urbano e organizou, junto com Ana Terra,  a publicação Situ (ações) – caderno de reflexões sobre a dança in situ . Ambas publicações foram realizadas através do Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna (2013) pela editora Lince. Nos últimos anos, tem seguido sua pesquisa artística munida de um profundo interesse pela interação entre arte da dança, ambiente/natureza e cura. Mais infos: www.nucleoaquimesmo.com | www.instagram.com/nucleoaquimesmo | www.instagram.com/umacarmen