A Trajetória de Klauss Vianna: Um Olhar de Neide Neves

Klauss Vianna no centro de São Paulo, para a pesquisa de Marta Mansinho. Fotografia de Modesto Wielewicki

 

“…em vez de conduzir adaptações para maneiras de dançar ou se movimentar que me agradam ou com as quais me identifico, prefiro apresentar informações e estimular as contribuições individuais” (Klauss Vianna).

Ciente da impossibilidade de se abarcar toda a trajetória de um artista pesquisador, e sem o interesse de apresentar uma biografia, já encontrada em vários outros contextos, escrevo este pequeno texto buscando desenhar a linha coerente que enxergo na trajetória deste grande mestre brasileiro.

Solitário, seus primeiros contatos com a arte parecem ter se dado bastante cedo quando, em casa e na escola, se isolava e lia “tudo o que caísse nas minhas mãos”.

Sua característica de pessoa observadora, “queria mais observar do que participar”, já estava presente desde bem cedo, quando se interessava pelos pés, corpos, movimentos e atitudes das pessoas ao seu redor, segundo relata em seu livro “A Dança”.

Já estudando dança e em contato com as artes plásticas, aprendia sobre o movimento em sua relação com o espaço. E buscava no corpo estratégias para comunicar intenções, “a intenção anterior ao movimento”, quando posava para o pintor Alberto da Veiga Guignard, diretor da escola de Belas Artes e seu vizinho.

O interesse pela comunicação parece ter se intensificado ainda no ensino secundário, quando se aproximou do teatro, escrevia textos, atuava. E encontrou um lugar de experimentação onde viu a possibilidade de unir movimento, expressividade, música e narrativa, ao assistir uma apresentação de balé clássico, com o grupo Ballet da Juventude que, ao passar por Belo Horizonte, lá deixou o primeiro bailarino e professor Carlos Leite. Naquele momento, inicia uma trajetória que vai alimentar sua curiosidade pelo funcionamento do corpo e revelar um grande interesse pela arte brasileira. Suas primeiras coreografias são inspiradas em manifestações artísticas nacionais.

Compartilhando interesse, inspiração e estudos com sua esposa Maria Ângela Abras Vianna (Angel Vianna), inicia a Escola e o Ballet Klauss Vianna. A necessidade de aprofundar os conhecimentos já estava presente quando questionava a falta de resposta dos professores às suas perguntas sobre a organização dos passos de dança no corpo.  – “A observação e o questionamento são importantes em todo lugar, em toda a vida – inclusive em uma sala de aula de dança”. Em apresentação deste grupo no 1º Encontro de Escola de Danças do Brasil, em Curitiba, com a coreografia “A Face Lívida”, acompanhada por uma modinha imperial cantada por Maria Lúcia Godoy, é reconhecido como um criador com traços modernos e convidado a lecionar na Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia, pelos seus diretores à época, Rolf Gelewsky e Lia Robatto.

No novo ambiente, reforça seu interesse por manifestações populares como a capoeira e o candomblé, em sua potência de movimentos e expressividade, ao mesmo tempo que se dá conta da importância do artista no mundo, na construção da cultura em que se insere. Neste momento político, atendendo às manifestações dos alunos, fica claro que o bailarino não se faz apenas nas salas de aula e ensaio. Vida e arte são inseparáveis, daí a importância do autoconhecimento para o criador.

“O ser humano que existe no bailarino precisa estar atento e receber tudo lá fora, nas ruas. É impossível dissociar vida de sala de aula” (Klauss Vianna).

Em sua busca por seguir criando, muda-se com Angel e o filho, Rainer, já com 7 anos, para o Rio de Janeiro. Aula de dança e trabalho em teatro se conectam, alimentando e transformando um ao outro. Além disto, os estudos de anatomia e cinesiologia, aprofundados com o professor de odontologia Antônio Broxado, na UFBA, alimentam uma visão de corpo que investe, cada vez mais claramente, no estudo da relação entre movimento-percepção-pensamento-emoção-comunicação, levando ao desenvolvimento de um trabalho corporal na arte, que se aproxima do que mais tarde veio a ser nomeado Educação Somática, por Thomas Hanna.

A pesquisa de Klauss nasce das necessidades de comunicação pelo movimento na arte e se desenvolve no entendimento do corpo como um sistema, em que os subsistemas estão em comunicação entre si e com o ambiente externo, em um processo contínuo de transformação, de construção de si.

Este trabalho, esta técnica será muito bem aceita pelos artistas do teatro, e Klauss tem uma presença importante neste momento de surgimento da chamada Expressão Corporal e, posteriormente, da Preparação Corporal e as derivações assinadas por Klauss e outros profissionais, como Direção de Movimento, Dinâmica de Movimento, Dramaturgia Corporal. Função esta que segue existindo, com profissionais de visões semelhantes ou diversas, em produções de teatro.

A mesma concepção de corpo alimenta seu trabalho na dança, culminando na última coreografia “Dã-Dá Corpo”, em 1987, já na sua última fase de vida, em São Paulo, para onde o levou outro impulso para a mudança.

Como no Rio de Janeiro, em São Paulo, Klauss ocupou cargos de direção em instituições públicas na área de artes e seguiu desenvolvendo seu trabalho com pessoas. Em suas aulas, sempre houve pessoas, fossem artistas, profissionais liberais, donas de casa. Sem distinção. Pessoas.

Em Klauss Vianna, temos uma vida e uma pesquisa artística sempre ativa, aprofundando conhecimentos na prática cotidiana, em função da comunicação no corpo e pelo corpo, que segue alimentando, provocando muitas outras trajetórias nos processos da arte e da vida.

“Eu apenas quero lançar a semente. Uma vez soltas em terra generosa, essas sementes provocarão reações” (Klauss Vianna).

 

*Este texto foi desenvolvido no âmbito do projeto ‘Mover Memórias’, do Portal MUD, fomentado pelo Programa Funarte Retomada 2023 – Dança.

Neide Neves

Neide Neves

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Graduada em Licenciatura – Letras: Português/Francês pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1980), mestre (2004) e doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontífícia Universidade Católica de São Paulo, na área de concentração Signo e Significação nas Mídias (2010). Atualmente, coordena e leciona no curso de graduação em Comunicação das Artes do Corpo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e no curso de Especialização em Técnica Klauss Vianna (CETKV), na Educação Continuada, também da PUC-SP. É membro do Conselho Editorial e parecerista da Revista TKV (CETKV – PUC-SP). Lidera o Grupo de Pesquisa – ensino e criação – em Técnica Klauss Vianna (PUC-SP). Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Artes do Corpo, Dança e Teatro, atuando principalmente nos seguintes temas: corpo e movimento, preparação corporal, educação somática e dramaturgia corporal. Tem como fundamentação de seu trabalho a Técnica Klauss Vianna, de cuja sistematização participa desde 1984.