Eu não acredito em torcida contra: quem assiste quer ver coisa boa, bem feita, bem resolvida. Quem assiste dança quer gostar.
Na minha cabeça, a ideia de alguém que vai assistir a uma apresentação querendo não gostar, achar problema, e falar mal é inconcebível. Seja público, seja pesquisador, seja crítico.
O trabalho que a gente tem pra acompanhar um espetáculo — em dedicação, em tempo ocupado, deslocamento e atenção — não se justifica com reclamar, com apontar o dedo, com esperar ficar chateado, ou insatisfeito.
Todo mundo sai de casa (ou da o play) querendo assistir a uma coisa boa. Uma obra que funciona, alguma coisa bem feita. É não é uma questão simples de “te agrada”, ou “te deixa feliz”.
Eu não to pedindo pra dança ser morna, não to falando sobre ser simplista e entretenimento. To pedindo pra dança ser boa.
Pra além de concordar com tema ou abordagem. Pra além de ser algo fácil, ou que agrada quase qualquer um. Agradar é uma possibilidade, mas existem outras tantas: provocar, interessar, tocar, motivar, instigar, comover, excitar… E pra isso não precisa ser fácil, não precisa ser leve, não precisa ser feliz. Mas precisa sem bem feito. Senão, o desgaste é pesado.
Porque é realmente chato, pra todo mundo, acompanhar coisa ruim. O espaço do teatro tem um conjunto de regras que ajuda a constranger o público a continuar na sala — e se deu ruim, a chance é que você tenha que continuar se incomodando até aquilo acabar.
Hoje em dia, os sistemas que a gente usa criam bem menos barreiras. Pausar o vídeo, sair da sala, escapar discretamente ou com um “problema de conexão” é fácil demais. Deixar a coisa acontecendo enquanto você olha pro outro lado, lava a louça, lê um livro ou ouve música, é ainda mais.
Como a gente lida com um risco maior de incompreensão? Como a gente trabalha uma possibilidade de distanciamento, de recusa, de inacesso à proposta que a obra coloca em jogo? Com mais mediação.
Especialmente nesse tipo de situação de atenção deslocável, sendo requisitada por várias coisas ao mesmo tempo, a mediação cumpre um papel fundamental em pavimentar um caminho entre o público e as propostas da obra.
Pra além das mediações posteriores, como a crítica e o bate-papo, esse momento pede novas soluções de mediações anteriores, também preparando e informando o público. Mais que nunca a gente quer entender qual é a proposta, qual a forma como vamos assistir, qual o formato, quais as estruturas, quais os processos.
“Fazer parte” nunca foi tão complicado e tão importante. Mas, a nosso favor, a gente continua contando com a disposição do público: porque as pessoas ainda assistem (e clicam) querendo encontrar coisa boa.
* Henrique Rochelle é crítico de dança, membro da APCA, doutor em Artes da Cena, e Professor Colaborador da ECA/USP. Editor dos sites da Quarta Parede, e Criticatividade.