Uma Celebração do Brincar: Novas (e divertidas!) Faces do Breaking

Foto: Marcello Ferreira

Por Guilherme Viégas

Integrando a programação infantil da 14ª edição da Bienal Sesc de Dança, o grupo Zumb.Boys — da zona Leste de São Paulo — trouxe, no dia 04 de outubro, o espetáculo-intervenção “Mané Boneco” para o palco do espaço Cis Guanabara em Campinas. Tendo como referência o Mané Gostoso — brinquedo de origem pernambucana, formado por duas hastes de madeira ligadas por barbantes que movimentam um boneco articulável pendurado no barbante pelas mãos —, Mané Boneco constrói, através da dança, um espaço de brincadeira e diálogo entre intérpretes e público. Desta forma, vemos os seis integrantes do grupo Zumb.boys (David Xavinho, Eddie Guedes, Eriki Hideki, Igor Souza, Márcio Greyk e Vinicios Silva) impressionarem e divertirem o público presente com acrobacias e jogos, ao mesmo tempo que nos convidam a lembrar do quão é bom ser criança.

Começando com apenas um divertido e virtuoso performer em cena, vemos um importante diálogo ser traçado entre corpo-objeto, com a apresentação de simples bastões de madeira que passam a ser utilizados para conduzir boa parte das dinâmicas propostas. Paralelamente, um ambiente de jogo também é instaurado à medida que os demais intérpretes entram em cena, vindo de diferentes cantos do CIS Guanabara. É nesse lugar, ao mesmo tempo lúdico e de disputa, que se desenham ora confrontos, ora perseguições. Contudo se, para as crianças, tudo parece uma intensa brincadeira, para nós — adultos que, muitas vezes, esquecemos da criança que fomos e que continuamos sendo — torna-se difícil não enxergar, nas entrelinhas, as diferentes tensões sociais, que convivemos diariamente e que vão sendo refratadas pela cena.

Outro ponto importante a se destacar é a forma fluida como o grupo rompe aquela tradicional atribuição de papéis feita para os intérpretes, ativos e em constante movimento, e para o público, normalmente passivo, estático e em estado contemplativo. Aqui todos se tornam parte do jogo, interagindo diretamente com os performers e sendo convidados a improvisar maneiras de responder às provocações coreográficas extremamente habilidosas. Assim, crianças, cheias de coragem e animação, correm com os bastões atrás dos intérpretes, que — tal como o boneco popular que serviu de inspiração para o nome do espetáculo — dobram-se e desdobram-se para desviar e fugir dos “ataques”. Em um contraponto curioso e divertido, vemos adultos, tímidos e receosos, tentando reproduzir, à sua maneira, as difíceis movimentações do breaking — para riso das crianças presentes. O que importa aqui é resgatar a simplicidade e a alegria do brincar.

Vestidos com criativos figurinos coloridos e embalados por uma seleção de músicas que fazem com que até os mais tímidos mexam a cabeça ou batam o pé no pulso da música, os Zumb.boys estrearam na Bienal Sesc de Dança mostrando aquilo que tornou-se a marca do grupo nos últimos anos: uma dança relacional com identidade própria, que une, com maestria, a linguagem do breaking a propostas ousadas que têm, em sua essência, a busca por novas (e divertidas) interações com o público e com os locais de apresentação, em um processo que também evidencia toda a habilidade e maleabilidade de seus integrantes. Assim, Mané Boneco, concebido e dirigido por Márcio Greyk, mostrou-se, para mim, como uma das melhores surpresas desta Bienal ao romper, de maneira divertida e eficaz, com o jogo de papéis que há muitos anos insiste em dividir artistas e público. Aqui o espetáculo tem vida e é construído conjuntamente no agora! O que só é possível graças à intenção e à preocupação dos intérpretes em abrir espaços para a instauração de um ambiente acolhedor, em que interações e diálogos possam acontecer de maneira genuína e livre, tal como era na nossa infância.

Como é bom ver a cultura Hip Hop se expandir, dialogando com outras práticas populares — como a Capoeira Angola, também trazida no espetáculo — e passando a ocupar lugares novos no cenário da dança nacional! E como também é bom ver a dança valorizando o diálogo e a experiência, acolhendo diferentes corpos, comunidades e as narrativas que carregam ao longo do seu constante processo de reencontro! Que a Bienal possa, em suas próximas edições, continuar sendo esse lugar fértil de troca e transformação.

 

Esta resenha foi feita dentro da disciplina “Tópicos Especiais em Arte e Contexto: Produção Crítica em Dança”, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Claudia Alves Guimarães e da Profa. Dra. Cássia Navas Alves de Castro, no Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena da Unicamp. A disciplina teve como foco a 14ª Bienal Sesc de Dança, contando com a parceria do Sesc Campinas.

 

Foto: Mariana Petrucci

Guilherme Viégas

Músico, compositor e pesquisador, Guilherme Corrêa Viégas é licenciado em artes e bacharel em composição musical pela Universidade Estadual de Campinas. Além disso, formou-se no curso técnico em música, com especialização em violoncelo pelo Conservatório Carlos Gomes.  Profissionalmente, atua como compositor, produtor musical e diretor de espetáculos de dança, coordenando projetos como o “Noites no Deserto” e o “Terror em Cena”. Paralelamente, dedica-se à Coreomusicologia e ao estudo das relações entre música, dança e dramaturgia no contexto da dança-teatro, realizando, atualmente, uma pesquisa de mestrado com orientação do Prof. Dr. Jorge Schroeder e da Profa. Dra. Mariana Barucco.

PPG Artes da Cena/UNICAMP

PPG Artes da Cena/UNICAMP

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O Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena tem como objetivo a formação de pessoal qualificado para atuar na pesquisa e no ensino de campos pertinentes às artes da cena, quais sejam, o teatro, a dança, a performance, em interlocução ou não com outras artes presenciais, promovendo difusão de conhecimento mediante a colaboração de seus pesquisadores junto a periódicos especializados, eventos científicos da área e, no que concerne à extensão e socialização do conhecimento, apresentação pública dos espetáculos e performances produzidos como fruto das pesquisas.