Um grupo de formandos da EDASP se apresentou com os corpos estáveis jovens de SP, lembrando que a dança também precisa de cias jovens
Essa semana, se apresentou na Praça das Artes um grupo sob o nome de Cia Jovem da EDASP. Ainda em formação, o grupo é uma proposta da Escola de Dança de São Paulo, que acena pra duas direções: por um lado, tenta retomar a tradição de um corpo de baile de alunos da escola, por outro, olha pro importantíssimo espaço de companhias jovens.
É redundante dizer, mas companhias jovens são o futuro. E esse futuro se aponta pelo mundo todo e aqui do lado: a Cia Jovem de Dança de Jundiaí, por exemplo, é um dos grupos mais interessantes e relevantes artisticamente da nossa cena atual. É nesse caminho que dá pra imaginar o grupo da Cia Jovem.
Por enquanto, o que vemos em cena é a grande turma que se forma esse ano na EDASP. 32 bailarinos potentes, bem preparados, e ainda extremamente jovens. Mas, saindo dessa grande formação técnica, os espaços do campo profissional não são muitos. Existe um vão de acesso entre a formação e as companhias. E esse vão é aumentado pela dificuldade de determinar quem deveria cuidar desse tipo de grupo. Seria uma companhia formada a partir de uma escola, ou um sub-grupo de um corpo estável? Ou um misto dos dois?
A lógica que parece mais potente é a de um grupo autônomo. Alimentado por artistas adultos e já formados, mas em busca deste outro grau de formação que só vem com a experiência profissional. Um grupo desse tipo é uma necessidade pra São Paulo, que ainda tem pouca oferta de formação em dança, mas tem formações de qualidade, que nos entregam artistas jovens e interessantes, e que precisam ser preparados para a cena contemporânea.
São esses os artistas que deveriam compor um elenco de uma Cia Jovem. Vindos de todas as formações possíveis, selecionados por audição, e guiados por uma equipe focada em profissionalização, experiência de palco, informação teórica e técnica sobre carreira, e muito trabalho de criação e difusão de dança. Esses artistas devem vir inclusive da própria EDASP — e olhando o grupo que se apresentou na excelente coreografia de Armando Aurich e Cristiana de Souza dentro do programa da “Mariofagia”, que encerrou as comemorações do centenário da Semana de 22 no Municipal, já vemos destaques de potência, que precisam desse tipo de oportunidade.
Sobre a “Mariofagia”, vale um destaque especial. Concebido e dirigido por Bruno Imparato, Diretor Artístico da Fundação TMSP — reunindo o Quarteto de Cordas de São Paulo, o Ensemble FTM, o Coral Paulistano, a Orquestra Sinfônica Jovem e o Coro Jovem, além dessa prévia de uma Cia Jovem —, o programa apresentado em apenas duas sessões nesse sábado conseguiu aquele raro efeito: preenchido de simbologia e reflexão sobre o modernismo, o programa é interessante, provocador, e ao mesmo tempo acessível e abordável.
Esse tipo de observação é importante, porque muito do que tem sido feito nesse ano de comemoração do centenário (inclusive no Municipal) parece reforçar a distância da elite da Semana de 22, em trabalhos que fazem questão de ser difíceis, e só disfarçam notas de apelo popular em populismo que parece completamente avesso ao cerne do que de fato vemos em cena.
A “Mariofagia” tem o mérito de fazer pensar e emocionar, sem menosprezar o público, mas também sem afastar. Sua programação musical é excelente, e a dança apresentada, igualmente. É uma ótima semente pra companhia jovem de dança que São Paulo já deveria ter. Esse grupo tem ainda a dificuldade dos trabalhos ligados a escolas — em quantidades de elenco, e em desníveis de conforto em cena, que são de fato parte fundamental do processo formativo —, mas ele também tem o interesse a potência que se espera da dança profissional de hoje, e, mais ainda, da dança de amanhã.
As companhias jovens de agora são a cena da dança ainda por vir, e são por isso um dos investimentos mais importantes pra esse momento. Fica a torcida pra que essa nova cia jovem receba todo o apoio que um projeto desse porte e dessa importância precisam.
* Henrique Rochelle é crítico de dança, membro da APCA, doutor em Artes da Cena, Professor Colaborador da ECA/USP, e editor do site Outra Dança.
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