Um prêmio funciona como uma lanterna: a gente aponta para algo para iluminar, destacar. E a dança precisa de mais luz.
Quando eu morava no interior e era difícil vir pra São Paulo pra estar em contato com a produção de dança, eu esperava um tanto ansioso o anúncio dos prêmios para a área. Além do gosto por premiações, eu tinha um interesse na proximidade: em saber o que alguns especialistas pensavam sobre a área onde eu ia aos poucos me inserindo, e pra onde eu poderia olhar para saber mais.
Década e meia depois, eu sinto o nervoso da responsabilidade quando anunciamos as listas de indicados e ganhadores dos prêmios de dança da APCA — Associação Paulista de Críticos de Artes. A instituição é sexagenária, o prêmio de dança existe desde 1973, e por essa comissão passaram diversos mestres — alguns deles assistindo, discutindo e criticando dança desde antes de eu nascer.
Isso tudo aumenta o peso desse lugar. Reconhecer os melhores em cada categoria é uma tarefa assustadora. E toda lista sofre por ser incompleta: ela é refém daquilo que conseguimos acessar, daquilo a que conseguimos assistir, da dança que sabemos que existe.
No meio da felicidade do reconhecimento, sempre aparecem questionamentos. Querem saber o que assistimos, onde fomos, porque não olhamos para tal produção. Querem saber o que é que fizemos nesse ano, frente a essa produção.
Fizemos o que todo mundo fez num ano excepcionalmente difícil: nos esforçamos para continuar. Continuar assistindo dança, falando de dança, e trabalhando. Também precisamos achar outras formas de acessar a produção, agora online e se sobrepondo aos espaços das casas, das salas, dos quartos, das famílias.
A facilidade do acesso, do não precisar deslocar, não facilitou a presença. Na verdade, 2020 não foi mais fácil pra ninguém. E essa excepcionalidade te sido discutida em tantos reflexos desse ano complicado — como essa coluna.
O esforço que orienta uma premiação é o do reconhecimento. Não de um só, e também não de “todos” — não cabe esse tamanho de pretensão de acreditar conseguir ver tudo, conhecer tudo, assistir tudo, especialmente quando tem uma parcela significativa que quase não divulga suas ações. O reconhecimento aqui é o do campo, da dança.
O propósito de um prêmio é indicar caminhos, apontar uma lanterna e iluminar alguma coisa. Quem precisa de prêmio não é um artista ou o outro. Não é um crítico ou o outro. Quem precisa de prêmio é a dança.
Num ano aterrorizante, muita gente se desdobrou em mil pra garantir que a dança continuasse. E dá orgulho poder olhar pra isso, falar sobre isso, reconhecer, e também premiar.
* Henrique Rochelle é crítico de dança, membro da APCA, doutor em Artes da Cena, e Professor Colaborador da ECA/USP. Editor dos sites da Quarta Parede, e Criticatividade.
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