Público não tem termômetro pra dizermos como foi a recepção. O que acontece quando uma percepção individual é compartilhada?
Escrevendo sobre dança, e escrevendo crítica de dança, eu gosto de falar de experiências concretas de recepção. De contos e causos que a gente ouve e fica sabendo, seja em conversas entre conhecidos, seja nos corredores do teatro. Aí, as vezes me perguntam: como é que dá pra medir a recepção? Como faz pra dizer qual foi o geral da percepção da obra? A resposta mais sincera é simples e pouco satisfatória: não dá; não faz.
Não tem termômetro. Não tem instrumento real pra esse tipo de medição. Há quem defenda a possibilidade de usar um questionário, de usar pesquisa de satisfação, mas a realidade é que estatisticamente tudo isso seria muito pouco concreto, e só especulativo. Dá pra ter impressões, mas as impressões também são guiadas pelo que cada um quer perceber, e o que cada um encontra.
Mesmo não podendo dar garantias absolutas de se o público, no geral, gostou, não gostou, achou ótimo, detestou, quer ver de novo, ou quer o dinheiro de volta, eu ainda gosto de compartilhar um pouco daquilo que é compartilhado comigo, ou que me chega.
Quando uma pessoa te abraça pra dar tchau e te diz “eu não devia ter saído de casa pra ver isso”, isso não representa necessariamente a opinião de todo mundo. Quando alguém no banheiro comenta com um amigo “achei genial”, também não. Realmente não existe acesso ao termômetro do todo mundo, mas existe acesso a essas expressões individuais, e por isso elas me parecem importantes.
Não porque elas identificam um homogêneo (até porque esse homogêneo não necessariamente existe, e se existir não teremos seu dado concreto), mas porque elas identificam de fato aquilo que existe.
A opinião de um não é a opinião do todo. A voz de um não é a voz do povo. Nesse “um” se inclui a crítica. Quando compartilho uma impressão minha, ela é uma impressão minha, não necessariamente representativa da impressão dos outros. Quando compartilho uma impressão de um outro, ela também não é necessariamente representativa dos muitos outros. Em meus textos, tento incluir essas percepções, esses casos, justamente pra apresentar paralelos de proximidade: quem viu e detestou, sabendo que não é o único, pode se sentir acompanhado; sabendo que também tem quem adorou, pode pensar que existem pontos variados para a obra.
O risco do pontual é sempre o risco de uma voz única. Que aquilo que é uma opinião soe como a opinião correta. Nunca deveria ser. Especialmente na crítica. Uma percepção é uma percepção, e muitas outras são possíveis, muitas outras são desejáveis. Ninguém fala pelo outro, nem pelo conjunto. Mas observar o outro e retratar as experiências dos outros pode ser uma forma de atentar para a multiplicidade.
Quem consegue medir a recepção do todo? Ninguém. Não temos uma plataforma fazendo agregador, como pro cinema. Praticamente nem temos crítica sendo publicada. E ainda questionamos quanto de público a dança tem… Mas falar de algumas partes do todo ajuda a colocar em evidência as múltiplas possibilidades de recepção. E multiplicidade é sempre bom.
* Henrique Rochelle é crítico de dança, membro da APCA, doutor em Artes da Cena, Professor Colaborador da ECA/USP, e editor do site Outra Dança.
*Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal MUD.