Qual a dança que te conforta? E quando você escapa da sua zona de conforto?
A gente se apega fácil às coisas de que a gente gosta. Até sem reparar, criamos hábito, e ai vamos procurando o reconhecível, o compreensível, o confortável, o simples. Às vezes, demais.
Parece que a moda do momento é buscar o “leve”, da alimentação à medicina, nos relacionamentos, e também na arte.
Nesse sentido, o leve não é só o que tem pouca densidade. É também o que a gente já sabe como cai. Seja no estômago, no coração, ou na cabeça.
Na dança, a sua zona de conforto pode ser um estilo, pode ser um artista, pode ser uma companhia, uma forma de trabalho, uma estrutura de produção, um meio de ganhar dinheiro, um entendimento de arte.
O leve é o saber o que fazer, saber o que esperar, e ser capaz de prever resultados. Quase uma receita.
Veja bem, o conforto não é uma coisa ruim. Todo mundo precisa se acomodar. Mas, pra arte — pra experiência estética — o acomodar só serve pra ser perturbado.
Claro que isso trata da produção, da pesquisa e da inovação. Mas eu falo do acomodar em um outro nível: o do público. É sempre mais fácil assistir ao que a gente já sabe como vai ser. Surpresa requerer disponibilidade mental, agilidade, reação, participação, assistência ativa. E isso causa desgaste.
Só que o desgaste tem seu valor. Ele demanda mais esforço, mas isso não é o mesmo que sofrimento. Tem prazer e tem diversão envolvidos. Tem aventura, e tem gosto.
Reconhecer a zona de conforto é um passo pra se tornar agente na decisão de quando queremos ser confortados, e de quando a gente se dispõe a uma provocação. Não é uma questão de fugir do seu conforto, de evitar a todo custo. Mas de não deixar ele te guiar o tempo todo, nem cegamente.
Um tantinho de provocação faz bem. E tem muita gente da dança querendo provocar.
A ideia de ver mais dança, de encontrar mais dança, precisa incluir essa dinâmica: o conforto daquilo que a gente já conhece e sabe que gosta, e o espaço pra descobrir o novo, e abrir a possibilidade de ser provocado, de ser surpreendido.
Fato: às vezes a surpresa é forte demais. Às vezes a gente se desestabiliza com o impacto. Mas nessa hora é ainda mais importante saber qual a dança que te conforta. Porque é pra ela que a gente volta, pra esperar a tempestade passar.
Ninguém quer viver na tempestade. Mas um banho de chuva às vezes faz bem.
* Henrique Rochelle é crítico de dança, membro da APCA, doutor em Artes da Cena, e Professor Colaborador da ECA/USP. Editor dos sites da Quarta Parede, e Criticatividade.