Porque eu gosto de dança

Pode parecer mistério, mas na verdade é revelação. A gente gosta de dança porque ela transforma e transtorna.

Às vezes me perguntam por que eu gosto de ver dança… Não é sempre, mas um espetáculo consegue te tirar do normal. Ele te transporta pra algum outro lugar, algum outro estado mental. Reorganiza o que você conhece e entende do mundo. Bagunça tudo, às vezes coloca de volta, mas de repente em outro lugar.

A experiência estética não acontece o tempo todo. Mas quando acontece, ela suspende o seu cotidiano e te acerta em cheio. É como tropeçar e cair de cara no chão. Você continua o seu dia, mas as coisas não são mais exatamente como eram antes.

De alguma forma, aqueles artistas falam com você. Eles te contam coisas de um outro domínio do mundo. Você entende, porque eles programam aquilo tudo, todas aquelas muitas pequenas partes, e elas chegam pra você com força.

E você ali, de olhos arregalados e boca aberta. Às vezes transformado, às vezes transtornado. Por uma lista de motivos tão variados como os resultados possíveis de ouvir um “a gente precisa conversar”, e o que vem depois disso.

Na raiz, é algo simples. Dança comunica.

Isso não quer dizer que a gente sempre entende. Comunicação acontece de muitas formas, e com muitos enroscos. Mas, de vez em quando, você dá uma tremenda sorte, e as coisas se encaixam.

A construção do momento faz parte do efeito. Especialmente, a gente se colocando nessa posição de assistir, de dar atenção, de voltar os olhos praquele mesmo espaço, praquelas mesmas pessoas, e ouvir e ver o que eles têm pra contar.

Um tempinho depois, a coisa acaba. A luz vai mudando, eles chegam mais perto e agradecem. Estarrecido, você não sabe exatamente o que fazer. Você aplaude, como muita gente faz. Mas fica faltando alguma coisa.

Eles acabaram de te entregar uma revelação. Seja de um canto do universo que você desconhecia, seja do seu próprio dia-a-dia. Você queria responder, mas não tem muito como.

Então você continua voltando pra esse lugar. Buscando esse estado, procurando entre essas pessoas. Às vezes demora. Às vezes demora demais. Mas já aconteceu, então pode acontecer de novo. Mais forte, mais fraco, de um jeito diferente.

Quando você menos espera, tropeça de novo, e cai de cara na dança. A recuperação é complicada, mas deliciosa.


* Henrique Rochelle é crítico de dança, membro da APCA, doutor em Artes da Cena, e Professor Colaborador da ECA/USP. Editor dos sites da Quarta Parede, e Criticatividade.

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Henrique Rochelle

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Crítico de dança, Doutor em Artes da Cena (Unicamp), Especialista em Mídia, Informação e Cultura (USP), fez pós-doutoramento na Escola de Comunicações e Artes (USP), onde foi Professor Colaborador do Departamento de Artes Cênicas. Editor do site Outra Dança, é parecerista do PRONAC, redator da Enciclopédia Itaú Cultural, Coordenador do método upgrade.BR de formação em dança, e faz parte da Comissão de Dança da APCA desde 2016.