Um ano depois, o mundo mudou. A pandemia faz aniversário, mas a arte faz companhia.
Eu tava na fila do Café Colombiano da Oficina Cultural Oswald de Andrade. Eu, e mais um tanto de gente, acompanhando a programação do FarOFFa – Circuito Paralelo de Artes de São Paulo, que agitou o “momento MIT” de 2020.
Na fila, o público se misturava com os artistas, que se misturavam com a equipe do evento, que se misturava com o pessoal da Oswald, que se misturava com os programadores convidados. No grupo bem na minha frente, chega um homem de máscara. Foi a primeira pessoa que eu vi de máscara por causa da pandemia.
Na minha cabeça (e talvez fosse só na minha cabeça) todo mundo olhou pra ele com estranhamento. Com aquela cara e crença (quase um desespero de desejo) de que “por aqui tava tudo bem”. Ele explica que não vai abraçar nem encostar em ninguém, que vai continuar de máscara, e que quase não veio pro evento, com uma frase do tipo “não sei onde eu tava com a cabeça em pegar um avião nesse momento”.
Ele contava uma história estranha. Aeroportos se tornando espaços arriscados. Contato humano sendo impedido e desaconselhado. Pessoas presas em casa e evitando olhar o mundo de perto. Evitando tocar. Teatros fechados. Temporadas canceladas. Arte suspensa. Uma história estranha que virou o cotidiano, poucos dias depois.
Todo mundo viu tudo parando. No final do ano, em meio aos questionamentos, também vimos tudo voltando, de alguma forma, a funcionar. Essa semana, o problema que a gente achou que duraria uns meses fez aniversário, e mais sombrio do que nunca.
Eu queria saber onde está aquele programador, pra eu perguntar se o medo todo passa. Por aqui, uns com medo demais, outros que parece que nem ligam. Desgovernados, em direção a não se sabe o quê.
A luz no túnel (e no meio mesmo, porque não sabemos onde tem um fim), é arte. Esses dias teve tanta coisa. Tanta programação, tanto evento, tanta apresentação, que acaba ficando por ai algum sentimento mais calmo, algum respiro pra dizer que as coisas continuam.
E não continuam porque a situação melhora ou acaba. Continuam porque as pessoas insistem. Porque elas fazem apesar disso. E alguns até por causa disso. Dançam, pra responder a esse mundo duro, sem contato, esterilizado, mascarado e distante. Não é o mesmo que ser abraçado, mas traz algum quentinho pra dentro da gente.
Durante a pandemia, alguma arte já te fez companhia, eu tenho certeza. Pra mim também. Todo dia. Obrigado por isso. Entramos no “ano 2”, começamos o segundo ato mais fortes, ainda distanciados, mas acreditando que estamos juntos, pensando dança, querendo dança. E torcendo por todas as melhores reviravoltas possíveis nesse enredo.
* Henrique Rochelle é crítico de dança, membro da APCA, doutor em Artes da Cena, e Professor Colaborador da ECA/USP. Editor dos sites da Quarta Parede, e Criticatividade.
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