Como tem sido a dança pandêmica? O que a gente espera dela é justo?
O ano todo eu pensei muito sobre ser público de dança nesse contexto pandêmico. Os novos rituais, as coisas que mudaram, os novos espaços, novos contextos, novas formas de aproximação. Uma pergunta toda diferente, e não menos complicada, é como a dança em si mudou nesse contexto. Como tem sido a dança pandêmica.
Lógico, pandemia e a quarentena viraram tema. E temos visto dança que discute o estar em casa, o distanciamento, a impossibilidade de estar junto, o ficar sentado na frente de telas, e tantos outros dos nossos assuntos, dessas nossas experiências, em algum nível, universalizadas.
Mais que isso, a situação virou também modo de produção. De princípio, por impedir diversas das estratégias de trabalho. Também, por lançar um outro arsenal de recursos, formatos, meios e estruturas cênicas, que passam a definir como se pensa, como se faz e como se apresenta dança.
Agora, estamos prestes a ver um prato cheio de exemplos pra discutir como essa situação mudou a produção da dança. Os apoios emergenciais, que demoraram um tanto pra chegar às artes, já começaram a trazer pra cena virtual as respostas artísticas de vários criadores.
Por um instante, deixamos um pouco de lado alguns debates do passado recente, que discutiam se o vídeo seria dança, se o online seria dança. O momento é precário e a gente já começa colocando todo mundo num mesmo barco, pra evitar deixar alguém boiando sozinho: é tudo dança.
Mas também é tudo dança pandêmica. É tudo igual, mas é um igual completamente diferente.
Um ano depois, a gente já olha essas obras de outro jeito. Elas são cada vez menos os reflexos imediatistas de um “parou tudo, e agora?”. Cada vez mais, são desdobramentos de um “o que eu tenho pra dançar nesse momento?”.
Mas é cruel que tanta expectativa seja colocada sobre dança pandêmica: criada por pessoas vivendo a pandemia, e possibilitada por situações de apoios de emergência — formas de não deixar pessoas morrerem, mas da qual ainda esperamos contrapartidas.
A discussão da contrapartida, em meio ao nosso sistema tão editalizado de sustentamento da cultura, não escapa nem na dança pandêmica…
É complicado, e é assunto pra mais outros tantos textos. Pra esse aqui, fica só a reflexão sobre o olhar: todos mundo sabe o que tem sido viver em pandemia. É preciso olhar essas produções sabendo que elas também fazem parte desse contexto. Sem condescendência, mas com o máximo de humanização possível. Arte pandêmica para plateias pandêmicas em tempos pandêmicos.
* Henrique Rochelle é crítico de dança, membro da APCA, doutor em Artes da Cena, e Professor Colaborador da ECA/USP. Editor dos sites da Quarta Parede, e Criticatividade.
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