Marina Abib: Entre a Resiliência e a Esperança, a Bailarina que Enfrenta a Encefalite Autoimune

Após uma carreira brilhante no Brasil e na Europa, a bailarina Marina Abib viu sua vida mudar drasticamente ao ser diagnosticada com encefalite autoimune. Nesta entrevista, ela compartilha sua trajetória de superação, os desafios diários da reabilitação e sua fé inabalável em um retorno aos palcos. Ao final, um relato pessoal escrito por Marina traz ainda mais profundidade à sua inspiradora jornada.

Marina Abib, conhecida por sua notável trajetória na dança contemporânea, enfrentou um dos maiores desafios de sua vida ao ser diagnosticada com uma doença rara que a afastou dos palcos e da rotina que sempre conheceu. Nesta conversa franca, Marina reflete sobre os impactos físicos e emocionais dessa reviravolta e como sua determinação de superar obstáculos continua a guiá-la. Prepare-se para uma leitura emocionante e, ao final do bate-papo, não perca o relato pessoal escrito pela própria Marina, onde ela descreve em suas próprias palavras a luta diária e a esperança que a mantém firme em seu caminho de recuperação.

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Marina, você começou a dançar aos 3 anos e construiu uma carreira brilhante, inclusive se apresentando em vários países. Como foi para você, emocionalmente e fisicamente, lidar com o diagnóstico de encefalite autoimune?

Foi um choque. Imagine passar a vida toda em movimento, construindo sua carreira em cima da expressão corporal, e, de repente, seu próprio corpo não responde. Fisicamente, foi devastador perder o controle sobre algo que sempre foi tão natural para mim. Emocionalmente, foi um baque profundo. No início, senti uma grande impotência, uma espécie de luto pelo corpo que eu conhecia e controlava tão bem. Tive que aprender a lidar com essa nova realidade, dia após dia, e isso exigiu muita força emocional e resiliência.


Pode compartilhar como foi o processo de descoberta da doença?

O processo foi longo e confuso. Os primeiros sintomas surgiram em 2020, com tonturas severas, e, na época, os médicos acreditaram que era algo psiquiátrico. Fiquei internada por 20 dias e, mesmo sem uma explicação clara, fui liberada. Só em 2022, depois de uma piora muito significativa, fui internada novamente e diagnosticada corretamente com encefalite autoimune. A doença é rara e pouco conhecida, e eu não conseguia comer, andar ou lembrar de muitas coisas. Cheguei a ficar em coma e passei por procedimentos como traqueostomia. Foi um período muito difícil, mas a partir desse diagnóstico correto, pude começar o tratamento adequado.


Como tem sido o processo de recuperação e os desafios que você tem enfrentado nessa jornada de reabilitação?

A recuperação é lenta e cheia de desafios. Faço fisioterapia, fonoaudiologia, psicoterapia e terapia sou diariamente e mensalmente passo pelo meu neurologista. Cada pequena conquista é uma vitória, mas ainda tenho um longo caminho pela frente. Por exemplo, ainda não consigo ficar de pé sem apoio e dependo de uma cadeira de rodas para me locomover. É um processo exaustivo, tanto fisicamente quanto mentalmente, mas tenho aprendido a ter paciência e a valorizar cada progresso.


O apoio de familiares e amigos tem sido fundamental na sua recuperação. Pode nos contar mais sobre a campanha de arrecadação de fundos que foi organizada para ajudar com o custo do seu tratamento?

Sim, o apoio da minha família, dos amigos e até de pessoas que não conhecia tem sido essencial. A campanha “Marina em Movimento” surgiu da necessidade de cobrir os altos custos do tratamento, que gira em torno de 60 mil reais por mês. O plano de saúde e o SUS não cobrem todos os procedimentos, remédios, cuidadores e terapias que eu preciso. No início da reabilitação, conseguimos arrecadar 500 mil reais, mas o tratamento é contínuo, por isso estamos na segunda fase da campanha para garantir que eu possa continuar a receber o cuidado necessário.


O que te inspira a continuar acreditando na possibilidade de voltar a dançar, mesmo diante dos desafios que você está enfrentando?

A dança sempre foi meu meio de expressão mais puro, e, por mais que meu corpo tenha mudado, meu desejo de me mover e de me comunicar através dele continua muito forte. O processo de recuperação é uma dança por si só, cheia de passos pequenos e grandes, tropeços e avanços. O que me inspira é a possibilidade de, um dia, poder voltar a usar meu corpo com toda a potência  artística que pulsa dentro de mim, mesmo que de uma maneira diferente. Cada vez que consigo me mover um pouco mais, sinto que estou mais perto de realizar esse sonho.


Como artista e pesquisadora da dança, que lições essa experiência trouxe para você em relação ao corpo, ao movimento e à sua relação com a arte?

Essa experiência me mostrou o quão frágil e ao mesmo tempo poderoso o corpo é. Sempre vi o movimento como algo fluido e natural, mas agora entendo que cada gesto, cada passo, é um privilégio. A limitação física me fez reavaliar minha relação com o corpo e com o movimento, e isso tem mudado minha perspectiva artística. Hoje, valorizo ainda mais a conexão entre mente e corpo, e acredito que, mesmo nas limitações, há uma beleza e uma forma de expressão que não havia percebido antes.


Em termos de futuro, quais são seus sonhos e planos?

Meu maior sonho é voltar a dançar e me apresentar novamente. Quero compartilhar essa nova fase da minha vida através da arte, mostrar que a superação e a transformação são possíveis. Também quero continuar ensinando, pesquisando e criando, adaptando meu corpo e minhas capacidades às novas realidades que a vida me impôs. Sei que ainda há muito trabalho pela frente, mas acredito que posso usar minha história para inspirar outras pessoas.


Para quem também enfrenta doenças debilitantes, que conselho você daria sobre como lidar com o processo de tratamento e manter a esperança?

O mais importante é ser paciente consigo mesmo. O processo de recuperação pode ser lento e frustrante, mas cada passo, por menor que pareça, é um avanço. Também é fundamental aceitar ajuda — dos profissionais, dos amigos, da família. Não precisamos enfrentar isso sozinhos. E, por último, é preciso encontrar algo que te motive, que te dê força. Para mim, é dança, eu danço todo dia em casa! Mas para outros pode ser algo diferente. O importante é manter o foco naquilo que te faz sentir vivo, mesmo nos momentos mais difíceis.

Relato pessoal:

Há dois anos, minha vida deu uma guinada inesperada. Aos 34 anos, eu estava no auge da minha carreira como bailarina de dança contemporânea, mas, de repente, tudo parou. A rotina de aulas e apresentações que me levavam a diferentes países foi interrompida por uma doença autoimune rara, que paralisou meus movimentos. Agora, em processo de recuperação, eu lancei uma campanha para arrecadar fundos e retornar aos palcos.

Eu vivia há 10 anos entre o Brasil e a Europa, dando workshops e me apresentando em vários países. “Eu estava no auge”, mas durante todo o processo de encontrar o diagnostico correto tive um apagão e pouco lembro das partes mais críticas. Em 2022, fui diagnosticada com encefalite autoimune, uma doença inflamatória em que o sistema imunológico ataca o próprio cérebro. Os sintomas variam muito, mas incluem alterações de consciência, crises convulsivas e dificuldades para andar e até para engolir.

Minha vida sempre foi dedicada ao movimento. Comecei a dançar aos 4 anos, quando minha mãe me colocou no balé clássico do Cisne Negro. Depois, aos 8, migrei para a ginástica artística, à qual me dediquei até os 14. Na adolescência, redescobri a dança e me apaixonei pelas tradições brasileiras, o que me levou a criar um estilo único que mescla todas essas influências. Aos 18, fundei a Companhia Soma com Maria Eugenia Almeida, e, aos 24, comecei a viajar regularmente para a Europa. Sempre fui movida por desafios. Quando dava aula, costumava dizer que “o movimento é de uma entrega arriscada e deve deixar rastro no espaço”.

Em 2020, os primeiros sintomas da encefalite apareceram. Tudo começou com tontura intensa, que me levou à internação. Os médicos suspeitaram de um transtorno psiquiátrico e, após 20 dias no hospital, fui liberada, me sentindo-me bem. Tanto que em 2021 voltei a trabalhar na Europa com o espetáculo que estava circulando com o dançarino esloveno Beno Novak e dando aulas em festivais.

Mas, em 2022, piorei novamente. Na verdade, nem me lembro desse período – outra característica da doença. Parar de comer e de andar foram sinais do pior. Em plena pandemia de Covid-19, fui internada no Hospital das Clínicas da USP e, finalmente, diagnosticada corretamente.

A crise foi tão severa que fiquei mais três meses no hospital e passei por momentos críticos, chegando a ficar em coma. Fui submetida a uma traqueostomia e alimentada por uma sonda. Meus movimentos estavam comprometidos e eu não conseguia falar, mas minha mente estava clara. Lembro de um amigo que me visitou emocionado, e eu escrevi para ele: “Sou eu, eu estou aqui. Vai passar.”

Quando o tratamento com imunoglobulina começou a fazer efeito, iniciei meu processo de reabilitação. Eu tive alta do hospital passando três meses em uma clinica de reabilitação.

Atualmente meu dia é preenchido com fisioterapia, fonoaudiologia, psicoterapia, terapia, nutricionista, e neurologista que acompanham de perto todo o processo. O plano de saúde e o SUS não cobrem todos os custos, que incluem também medicamentos, honorários médicos, cuidadores 24 horas e moradia. Essa conta chega a 60 mil reais por mês. Isso porque todos esses tratamentos são feitos em São Paulo onde o custo de vida é muito alto.

No início da reabilitação, consegui arrecadar 500 mil reais, mas o caminho ainda é longo. Por isso, lancei uma nova fase da campanha para arrecadar mais recursos e continuar o tratamento. As pessoas veem minha evolução nas redes sociais, mas ainda estou longe de estar bem. A Marina que aparece nos vídeos tentando voltar à vida normal está em uma luta constante. Eu ainda não consigo ficar em pé sem apoio, dependo de uma cadeira de rodas para me locomover e, até para falar nesta entrevista, é um desafio.

Embora grave, a encefalite autoimune tem tratamento. O maior obstáculo é o diagnóstico, que muitas vezes é confundido com problemas psiquiátricos, como aconteceu comigo. A doença altera o comportamento e pode causar alucinações, o que dificulta o diagnóstico correto, que só é feito por meio de exames específicos no sangue e no líquor, geralmente não cobertos pelos planos de saúde. 

Mesmo diante de todos os desafios, sigo lutando. Essa jornada é árdua, mas quero voltar a dançar e compartilhar minha arte com o mundo novamente. 

Para ajudar, você pode acessar este link: https://gerandobondade.com.br/pt_br/marina/

Carol Contri

Carol Contri

Ver Perfil

Fundadora e Diretora Artística do Espaço Co.Art e da Cia Co.Art de Dança Contemporânea, formada em ballet clássico pelas metodologias Vaganova e Cubana e em Dança Contemporânea. Cursou Metodologia Vaganova pela Escola do Teatro Bolshoi Brasil e docência em dança contemporânea pela EDASP – Escola do Theatro Municipal de São Paulo. Jornalista, licenciada em Letras, Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Anhembi Morumbi e Especialista Letras – Processos de Ensino e Aprendizagem pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.  Professora de ballet clássico e dança contemporânea.