À vontade, o público pode falar sobre o que acha da dança, sem a ameaça de ouvir um “você não entendeu”. Entendeu. E às vezes não gostou.
“E ai, o que achou do espetáculo?” — pode ser uma pergunta extremamente invasiva e incômoda. O tempo, o hábito, e a capacidade humana de desviar acabaram criando respostas e comentários-padrão, incrivelmente pouco significativos: “É forte, né?”, “Fiquei curioso com o processo”, “Tem bastante coisa”, e o clássico do meu desgosto, “Acho válido”.
Esquivando, escapamos de algumas indelicadezas, mas não chegamos a lugar nenhum. Acho preferível um sincero “Eu fiquei encantado”, ou “Me deu sono”. Não porque eles avancem a discussão da obra, do trabalho, da arte, da dança — nem é esse o papel da opinião —, mas porque eles expressam o público e o seu gosto.
E não só enquanto pessoas que praticam dança, pensam dança, estudam dança, mas enquanto plateia, mesmo. Se isso parece arriscar a chance de tudo ser levado pro nível de conversa de bar, digo bem sinceramente: não seria nada ruim ter mais gente falando de dança no bar.
A dança tem uma dificuldade de público. Isso eu ouvi de artistas, de produtores, de editores… Me parece que o que falta é alguma familiaridade pras plateias em geral. Não estritamente no sentido de “conhecer a área”, mas no sentido de “se sentir à vontade com ela”, “se sentir como parte disso”. E essa proximidade não se faz nem no discurso intelectualizado, reflexivo e autorreferencial, e muito menos na fuga desse discurso, e nos comentários genéricos.
Pras pessoas se sentirem à vontade com a dança, elas precisam se sentir à vontade com falar dela. Com validar as suas experiências, próprias e pessoais, enquanto manifestações legítimas de relacionamento com as obras de dança. Elas precisam da possibilidade de dizer “achei um saco”, sem terem que ouvir um “não… é que você não entendeu”.
Talvez a pessoa não tenha entendido o que acontece na cabeça de um artista — ah, as dificuldades do público que não lê mentes… — mas entendeu aquilo que foi apresentado. Entendeu, e às vezes achou um saco.
Faz parte. Não é uma análise circunstanciada sobre essa obra no mundo e na dança. É opinião. E isso é prerrogativa do público. De todo o público. E precisa ser valorizada. Porque a gente quer essas pessoas por perto, porque todo mundo pode ver uma coreografia e sentir alguma coisa, e porque a gente não quer que essas pessoas se esquivem, nem de ter opiniões, e nem, sobretudo, da dança.
* Henrique Rochelle é crítico de dança, membro da APCA, doutor em Artes da Cena, e Professor Colaborador da ECA/USP. Editor dos sites da Quarta Parede, e Criticatividade.