Ainda não encontrei ninguém que queira viver de telepresença, assim como não vi ninguém querendo viver de relacionamento à distância. Mas, como sempre, dada a situação, a gente faz o que pode.
A dança também.
Daqui alguns anos, vamos ouvir a pergunta curiosa: “tinha dança na quarentena?”. É surpreendente, e, ao mesmo, lógico. A dança na quarentena é como a dança tem sido: é o que dá pra fazer. E é bem diferente pra uns e pra outros esse “o que dá pra fazer”.
Os enfrentamentos sempre foram cotidianos, entre os muitos jeitos de fazer dança acontecer. Nada disso é novo. Desigualdade é coisa enraizada, e ainda mais acentuada na crise.
As formas artísticas de resposta são específicas, são contextuais. Se eles continuam criando, é porque criam, também, formas de fazer na quarentena. Dentro do “o que dá pra fazer” de cada um.
É quase tudo experimento, e muito ainda vai chegar apressado ao público, antes de ter resultados, preso ao laboratório: porque faz parte da ordem do momento a resposta imediata. E tudo bem. O estado é imediato pra arte e pra todo mundo.
Um deslize e a pergunta escorrega: A dança da quarentena é inovadora? É criativa? É inventiva? É original? É boa? Bom… como sempre foi, tem de tudo. É natural de todas as formas de arte. É natural de todos os momentos.
Tem de tudo, mas o mais interessante é que tem. O mundo deu todos os motivos pra dança não acontecer. Todas as desculpas, todas as justificativas. Mas a coisa continuou.
E quando perguntarem desse momento, a gente vai poder responder que sim, existe dança na quarentena.
* Henrique Rochelle é crítico de dança, membro da APCA, doutor em Artes da Cena, e Professor Colaborador da ECA/USP. Editor dos sites da Quarta Parede, e Criticatividade.