Entre interesse e histeria

Popularidade, histeria, e o centro das atenções: o que a final do BBB tem a ver com a dança?

De repente, uma pessoa, um assunto, um trabalho, caem na boca e no gosto do povo. De repente, não se fala de mais nada. Essa semana, o assunto foi a final do BBB. Tem todo ano, e às vezes parece que a gente já nem dá mais importância. Mas esse ano a coisa parecia maior.

Os fenômenos de popularidade já mudaram um tanto. De assunto principal nos salões pra sujeito de coluna em jornal e revista, até chegar em trending topics no Twitter e milhões de seguidores no Instagram. Os processos são mais amplos e frequentemente mais ágeis — também sob o risco de passarem bem mais rápido.

A construção da fama e a obsessão com ela também tocam a dança. De maneiras bem mais suaves do que a final do BBB, mas com certas repetições.

Essas formas de adoração nem sempre são saudáveis. A mítica história dos 35 fanáticos que compram do dono de um hotel um par de sapatilhas que teria sido de Marie Taglioni (a estrela de La Sylphide, balé de 1832) é um desses exemplos.

O evento teria se passado numa turnê russa da estrela. O dono do hotel acha os sapatos no quarto ocupado por ela, e vende por algo entre 200 e 1000 rublos, em diferentes versões. O mais peculiar é o que vem depois: a decisão de cortar e cozinhar as sapatilhas em um fricassé, comido num jantar, com champagne.

A popularidade do balé romântico não foi a primeira das manias da dança. Vira e mexe, é lembrada a Praga da Dança de 1518, com pessoas em Estrasburgo dançando compulsivamente, em algumas versões da história, até a morte. Mais modernamente, a praga é questionada como envenenamento acidental, ou fenômeno de psicose e histeria coletiva.

São outras histerias que levam a percepções como a do crítico e historiador Arnold Haskell, em seu livro Balletomania (1934), que começa com “Eu acredito firmemente que a sociedade humana é dividida em três castas: bailarinos russos, bailarinos, e pessoas muito comuns”.

De lá pra cá, talvez um tanto menos histéricos, mas vimos, em ondas, momentos históricos em que a dança parece despontar na sociedade, na política e nas discussões, como algo importante.

Os anos 1960 e 1970 também viram uma dessas ondas, pelo mundo todo, e em diversos estilos. O efeito costuma ser parecido: muito barulho, muita atenção, um platô, e ai as coisas vão se acalmando e se dissolvendo até cairem de volta numa mesmice.

Veja bem, eu não sou dado a esses arroubos, e olhando o tanto da produção de dança hoje, é difícil falar de pequenez, de calmaria. Mas não dá pra passar uma semana dessas sem pensar em quando chega a próxima chance da dança estar no centro das atenções. No centro dos incentivos. No centro dos planos. Nem estamos falando de 27 milhões de seguidores, mas alguma coisa entre o interesse e a histeria cairia muito bem.

 

* Henrique Rochelle é crítico de dança, membro da APCA, doutor em Artes da Cena, e Professor Colaborador da ECA/USP. Editor dos sites da Quarta Parede, e Criticatividade.

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*Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete a opinião do Portal MUD.


Henrique Rochelle

Henrique Rochelle

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Crítico de dança, Doutor em Artes da Cena (Unicamp), Especialista em Mídia, Informação e Cultura (USP), fez pós-doutoramento na Escola de Comunicações e Artes (USP), onde foi Professor Colaborador do Departamento de Artes Cênicas. Editor do site Outra Dança, é parecerista do PRONAC, redator da Enciclopédia Itaú Cultural, Coordenador do método upgrade.BR de formação em dança, e faz parte da Comissão de Dança da APCA desde 2016.