Tem quem diga que domingo é dia de preguiça. Mas domingo também é dia de dança.
Domingo sempre foi um dia cheio. Era de domingo que eu ia no teatro ou no circo com a minha avó quando eu era criança. O processo todo me encantava. A expectativa, até engraçada, de quem estava super empolgado pra assistir alguma coisa, sem nem saber o que era.
Crescendo, domingo continuou sendo um dia de ver a família. Almoço na casa do vô com os tios e primos. Gente demais, espaço de menos, uma bagunça grande, mas sempre muita companhia. No começo da faculdade, eu voltava pra minha cidade, e normalmente aproveitava o domingo pra estudar latim e revisar trabalhos, ali no meio da baderna das crianças correndo.
Um pouco mais tarde, eu fui aproveitando os finais de semana pra vir pra capital pra assistir dança. E domingo era a prioridade — as coisas começam mais cedo, dava tempo de chegar na cidade, passear, e ir até algum teatro e voltar com menos receio.
Foi num desses domingos que uma vez, depois de sair do interior e vir pra cá, parar na casa de amigos pra deixar uma mochila, pegar dois metrôs, um trem e andar um tanto pra chegar no teatro, eu vi uma família chegando, e alguém do grupo perguntando: “o que a gente veio assistir?”.
Ali no canto, sentado no chão, lendo algum livro da pesquisa do momento enquanto esperava a hora de entrar na sala, eu levantei os olhos, até querendo responder e continuar essa conversa, mas a pergunta não era pra mim. Eu continuei lendo.
Por muito tempo, acostumado a ir sozinho no teatro, eu levava livros pra me ocupar no caminho e enquanto esperava. Os livros deram o lugar pro celular. E domingo, indo pro teatro, ou esperando a dança começar, acabou virando um dia de me atualizar nas leituras de sites, jornais, críticas, blogs de dança.
Domingos um pouco mais sozinhos, mas acompanhando dança, e acompanhado de outros tantos autores, outros tantos leitores, quase que conversando numa rede invisível. Quando eu pensei em que dia publicar a 3ºsinal, a primeira reação foi: não no final de semana, porque ele normalmente tá ocupado demais com dança.
Mas os tempos são outros. São tempos no geral mais sozinhos — e ainda preenchidos de dança. Inclusive aos domingos. E agora é aos domingos que a 3ºsinal continua. Quem sabe, na semana que vem, alguém esperando um espetáculo começar esteja lendo esse texto, e continue essa conversa.
* Henrique Rochelle é crítico de dança, membro da APCA, doutor em Artes da Cena, e Professor Colaborador da ECA/USP. Editor dos sites da Quarta Parede, e Criticatividade.
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