Passou um ano, e a gente tem uma ideia do que é a dança de agora. Como vão ser as danças de depois?
De tempos em tempos, vem aquela necessidade de mudar a cara. Quantos cortes de cabelo inesperados não apareceram na pandemia? A gente se cansa de um tanto de coisa, e muda aquilo que consegue, incentivando e esperando uma mudança ainda maior. Como isso acontece com a dança?
Mudar, reinventar, reformar, repaginar. Processos de pegar aquilo que a gente já tem e transformar em algo que seja diferente. Às vezes radicalmente, completamente diferente. Às vezes só uma nova aparência pra mesma coisa. Cara nova, novo nome, nova dança?
A necessidade de seguir em frente é contínua, mas o mundo muda, e nem sempre dá pra seguir sendo o mesmo. Nesse último ano, a dança descobriu, inventou e recuperou um tanto de formas, de propostas, de estruturas, de jeitos de fazer, que fazem a gente acreditar que ela é diferente, agora.
Mas quanto tempo duram essas diferenças? Porque tem umas que duram pouco, como uma cor no cabelo saindo com o tempo. Algumas outras nunca mais vão embora.
Quando a gente pensa em mudança, tem um ‘antes’ e um ‘depois’. Mas quando a mudança é um estado de excessão, a gente pensa também em um ‘depois’ que venha depois do ‘depois’. Quer dizer: a gente às vezes torce para que as mudanças sejam passageiras.
Dessa dinâmica veio a expressão mais batida da pandemia: o novo normal — uma tentativa de expressar que algumas mudanças são tão grandes que elas não deixam mais de existir, ou de afetar a situação.
Depois de um ano olhando as danças de agora, e comparando com as de antes, a gente começa a pensar sobre as danças de depois. Um ‘depois’ complicado, que a gente não sabe quando vem, mas insiste em acreditar que uma hora chega.
Um depois que seja seguro, que seja saudável, que tenha cuidado, mas que traga (de volta) um pouco mais de proximidade. Um tanto mais de estar junto — o evento fundamental das artes da cena.
Fundamental nem tanto por uma questão de purismo, e até por uma questão de gosto. Estar junto é gostoso. Estar junto faz bem. E, agora, não pode. Mas depois… ah, tem um tanto de ‘depois’ que, mesmo que só na imaginação, ajuda a enfrentar o ‘agora’. Então a gente acredita.
Acredita porque às vezes a gente precisa demais de uma mudança. Reformar, reinventar, repaginar. Transformar aquilo que a gente tem em uma coisa de cara nova. Acreditando em uma cara nova, um novo nome, uma nova dança, uma dança pra depois. Que ela seja uma delícia!
* Henrique Rochelle é crítico de dança, membro da APCA, doutor em Artes da Cena, e Professor Colaborador da ECA/USP. Editor dos sites da Quarta Parede, e Criticatividade.
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