Pensar em dança para a infância e juventude inclui criar obras, e formas de mediar as produções que já existem, sem perder qualidade técnica e estética.
De quando eu era criança, eu me lembro de assistir a muitas peças de teatro, várias apresentações de circo, exposições de artes visuais, e, claro, sessões de cinema com foco no público infantil. Mas só depois de adulto é que eu fui ver dança pensada para crianças.
Se aqui tem um lapso de percepção de mercado, também temos um lapso de atenção, uma falta de amplitude cultural, e de olhar para uma parcela grande e fundamental do público.
Eu tenho falado bastante sobre a importância do contato e da exposição à dança. Desde uma questão de como muita gente simplesmente não reconhece a dança enquanto uma possibilidade de escolha de arte e entretenimento, até o papel fundamental que ela pode cumprir na educação e na formação da corporeidade e seu entendimento.
Ainda que exista produção de dança com esse foco, a gente percebe sem dificuldade que ela recebe pouco investimento e pouca atenção. Seja na hora do reconhecimento dessa categoria em premiações, seja na avaliação de propostas de obras desse tipo, continua a pergunta: por que não tem mais dança pra infância e juventude?
Nesse campo, entram as criações voltadas para o público, em temas e sistemas de apresentação. Mas também entra um aspecto que é mais ligado à mediação: como apresentar aquilo que já existe, que já é feito em matéria de dança, especificamente para esses públicos.
Diversas companhias do mundo criam em suas temporadas sessões e programas voltados para “toda a família”, em propostas de incluir as crianças (e os cuidadores de crianças pequenas). E a ideia não é simplificar ou facilitar os trabalhos, mas sim aprimorar as formas de contato e fruição.
Isso passa por considerações de quanto tempo esse público está disposto a dar atenção para as obras, que temas e trabalhos cabem nessas programações, e que formas de apresentar e discutir isso são necessárias para despertar interesse.
A ideia é mostrar, desde muito cedo, que o teatro pode ser um lugar agradável, e que a dança pode ser uma opção cultural. Deixar, tanto crianças quanto os adultos que as acompanham, mais à vontade num ambiente pensado para eles, onde não exista um incômodo em colocar uma criança como se fosse um estranho, numa plateia sem pares.
O que o fenômeno do cinema e a literatura focada nos mostram é que existe, na infância e na juventude, um público disposto e disponível para a arte, e que eles são capazes de assimilar propostas estéticas elaboradas. O que nos falta é um tanto de incentivo e aporte, pra aumentar a quantidade das produções de dança voltadas às plateias jovens, e estabelecer melhor seu reconhecimento.
* Henrique Rochelle é crítico de dança, membro da APCA, doutor em Artes da Cena, e Professor Colaborador da ECA/USP. Editor dos sites da Quarta Parede, e Criticatividade.