Augusto Trainotti: entre o palco e as câmeras

Dançarino, Ator, diretor e roteirista, Augusto Trainotti também fez parte do elenco do filme ganhador do Oscar “Ainda Estou Aqui”

Augusto Trainotti é um daqueles talentos que cruzam fronteiras com sensibilidade, profundidade e um compromisso genuíno com a arte. Ele vem conquistando espaço com atuações intensas e um olhar autoral para o cinema. Seu nome ganhou ainda mais visibilidade com a participação no filme Ainda Estou Aqui, uma produção que não apenas emocionou plateias ao redor do mundo, mas também levou a tão cobiçada estatueta do Oscar para casa.

Mas sua trajetória vai além das câmeras: também é bailarino, diretor, roteirista e produtor, atuando em projetos que buscam provocar reflexão, ampliar perspectivas e dar voz a histórias muitas vezes silenciadas.

Com uma carreira construída com dedicação e coragem, nesta entrevista exclusiva, ele fala sobre os desafios e alegrias do processo criativo, os bastidores de Ainda Estou Aqui, sua visão sobre o cinema como ferramenta de transformação e os planos para o futuro.

Fernanda Torres e Augusto Trainotti, nos bastidores do filme “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles.

Augusto, sua trajetória como ator e dançarino é inspiradora. Quais foram as maiores influências no início da sua carreira e como elas moldaram o profissional que você é hoje?

Acho que sou uma pessoa que consome muito: assisto a muitos espetáculos, filmes e tudo mais. Mas, curiosamente, não sou alguém que tenha grandes nomes como referências fixas. Tenho muitas referências, sim, mas elas vêm de diferentes lugares e linguagens.

Há um universo vasto de artistas que me inspiram — da dança, do teatro, do cinema. Mais do que centralizar em figuras específicas, posso dizer que minhas referências nascem de uma pesquisa cotidiana, da observação do mundo, das pessoas e da forma como nos organizamos no dia a dia. Também observo como artistas diversos articulam esse caos e reorganizam, criando novos mundos.

O que mais gosto é justamente esse trânsito entre linguagens. Posso citar alguns nomes que me marcaram, como o pessoal da DV8, Pina Bausch Company, com essa abordagem de dança-teatro mais contemporânea, que também dialoga com o cinema. Aqui no Brasil, o grupo GRUA é uma grande referência para mim, tanto na dança quanto no audiovisual. Mas, no geral, posso dizer que sou influenciado por artistas que conseguem transitar entre a dança, o teatro e o cinema — e tornar essas linguagens híbridas.

Você participou do filme “Ainda Estou Aqui”, que toca em temas profundos e emocionais. Como foi interpretar esse personagem e o que você aprendeu com essa experiência?

Esse personagem foi um verdadeiro presente. Fiquei muito feliz quando li o roteiro e entendi a dimensão da história. No início, desde o teste, eu tinha uma ideia vaga, mas ao conhecer o personagem de fato — e principalmente por saber que ele existiu na vida real — tudo ganhou mais profundidade.

Ele foi uma figura fundamental na vida da Eunice, ajudando-a a não enlouquecer dentro do DOI-CODI. Isso, para mim, foi extremamente significativo, porque ajuda a complexificar a visão que temos das Forças Armadas. Sim, elas foram responsáveis por levar adiante a ditadura, mas também são compostas por indivíduos com histórias e contextos diferentes.

Esse personagem era um jovem do interior que acabou preso naquele sistema. Sem escolha, foi obrigado a trabalhar ali. O mais bonito de tudo é que, na vida real, ele pediu para a Eunice que, quando tudo acabasse, ela contasse ao mundo que ele não concordava com aquilo. E acho que o filme realiza esse desejo. Ele passa essa mensagem adiante: ele estava lá, mas não concordava.

Sendo tanto ator quanto dançarino, você lida com dois campos artísticos que exigem habilidades específicas. Como você equilibra essas duas formas de expressão? Há algum desafio específico em transitar entre elas?

É uma loucura, de verdade! A dança exige um treinamento físico constante — seja qual for a técnica, você precisa estar sempre em movimento, atualizando o corpo. Esse rigor técnico da dança me ensinou muito.

No teatro, os caminhos para se manter ativo são menos definidos, mais abstratos. Então, foi um desafio e um aprendizado. Eu comecei como ator, me formei em atuação, e depois fui entrando profissionalmente na dança. E foi justamente a dança que me trouxe essa disciplina técnica e corporal que, hoje, também aplico no teatro.

Recentemente, você coreografou a campanha publicitária “Tudo Começa com um Match” da Another Place em parceria com o Tinder Brasil. O que foi mais desafiador e interessante nessa experiência?

Foi uma experiência superdivertida! A equipe do Tinder me procurou com uma referência específica — um vídeo que eu tinha postado no meu Instagram, de um trabalho anterior. Eles queriam algo naquele mesmo universo, e me chamaram para coreografar.

O processo foi muito gostoso. Pude escolher quem dançaria comigo, fizemos uma fase de experimentação em estúdio e acabamos escolhendo o Eddu Reis, um artista incrível. Mesmo com pouco tempo, conseguimos experimentar bastante.

Trabalhamos muito com oposição, peso, contrapeso… Foi bem legal. E, dentro do contexto publicitário, tivemos bastante liberdade artística, o que é raro. Havia um tema mais profundo por trás — sobre relações — que também estava conectado com outros processos criativos meus. Então tudo fez muito sentido. Foi importante e marcante para mim.

Você também foi diretor e bailarino do vídeo-dança “Não Vamos Para Moscou”. Pode contar um pouco sobre o processo criativo dessa obra e o que espera que o público leve dela?

Esse trabalho representa muito o que eu falei na primeira resposta: meu desejo de explorar esse campo híbrido entre dança, teatro e cinema. Partimos da peça Três Irmãs, do Tchekhov — uma obra clássica do começo do século XX. Usei mais técnicas de atuação do que de dança para pensar os dispositivos de criação.

Foi um processo de tradução: tirar a dramaturgia da palavra e transformá-la em corpo. Organizei o trabalho em torno de ações que extraí dos personagens e situações da peça. Essas ações eram colocadas em jogo entre mim e a bailarina Rafaela Tonela, que dança comigo no vídeo.

E como era uma videodança, pude explorar também o cinema: filmamos numa estação de trem abandonada em Campinas, trabalhei com enquadramentos, edição, trilha sonora… Foi a primeira vez que tentei juntar todas essas linguagens. E acho que o público leva dela o que sentir — mas, para mim, é um filme sobre o desejo de fuga e a dificuldade de sair de experiências que nos mantêm estagnados.

Você tem uma carreira sólida em produções para plataformas como Netflix e Canal Brasil. Como essas experiências contribuíram para seu crescimento profissional? Quais diferenças você percebe entre trabalhar para diferentes plataformas?

Para mim, grandes produções e projetos menores têm a mesma importância. A responsabilidade artística é sempre a mesma. O que aprendi nessas produções maiores foi sobre respeito, profissionalismo e estrutura de trabalho.

Nelas, você entende que tudo é coletivo, mas que cada função tem seu papel — e deve ser respeitada. Em produções menores, muitas vezes acumulamos funções e não temos as melhores condições. Já nas maiores, há, pelo menos, uma estrutura mínima que permite focar no que você precisa fazer.

As diferenças entre séries, longas, curtas, teatro, dança, vídeo-dança… você aprende na prática. Cada formato exige algo diferente, e é se jogando nessas experiências que você vai entendendo as particularidades.

Quais são os projetos futuros que mais te empolgam no momento? E como você vê a evolução da dança e da atuação no Brasil nos próximos anos, especialmente com o crescimento dessas formas de arte nas plataformas digitais?

Estou muito empolgado com a estreia do filme Ney Matogrosso – Homem com H, agora em maio. É a biografia de um artista incrível, que transita entre tantas linguagens. O Ney faz seus figurinos, canta lindamente, atuou, fez cinema, dança… Ele é um grande exemplo desse artista múltiplo que me inspira muito.

A estreia será em maio, e estou ansioso. Além disso, sigo trabalhando com companhias de dança que admiro muito. Sobre o futuro da dança e da atuação no Brasil, vejo com otimismo. O crescimento das plataformas digitais abriu novas janelas para essas linguagens e permitiu que mais pessoas tivessem acesso a essas expressões artísticas. Acho que estamos num momento de expansão e transformação — e isso é muito potente.

Carol Contri

Carol Contri

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Fundadora e Diretora Artística do Espaço Co.Art e da Cia Co.Art de Dança Contemporânea, formada em ballet clássico pelas metodologias Vaganova e Cubana e em Dança Contemporânea. Cursou Metodologia Vaganova pela Escola do Teatro Bolshoi Brasil e docência em dança contemporânea pela EDASP – Escola do Theatro Municipal de São Paulo. Jornalista, licenciada em Letras, Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Anhembi Morumbi e Especialista Letras – Processos de Ensino e Aprendizagem pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.  Professora de ballet clássico e dança contemporânea.