A Múltipla dança de SP

Crédito das Fotos: Camila Sugai

Juntando grupos profissionais do estado, o Múltipla Cias de Dança SP insiste na força e na potência do coletivo

Estar junto faz diferença. Todos os momentos lembrados historicamente da dança por sua força e potência têm em comum o traço de serem construídos em conjunto. Uma andorinha só não faz verão. O dissenso é bom. A diversidade é importante. A diferença é forte. E a dança é múltipla.

“Múltipla” foi o nome escolhido pra batizar um coletivo que junta duas dezenas de companhias profissionais de dança do São Paulo. Em atividade há um ano e meio, parte desse coletivo se apresentou no final de semana passado no Teatro Sérgio Cardoso. Oportunidade única de ver, na mesma tarde, no mesmo palco, 8 companhias profissionais, testemunhas da multiplicidade da nossa dança.

Os jeitos de fazer são tão diversos quanto as estruturas de produção. Reunindo companhias oficiais, companhias particulares, companhias históricas, e companhias recentes, o Múltipla tem um panorama único. Ver essa riqueza em cena é fundamental pra quem queira entender da dança de São Paulo.

Essa união surge de uma inquietação. Era o final do primeiro ano da pandemia, e as companhias viam o tamanho dos esforços e dificuldades já enfrentados, e dos que viriam ainda pela frente. Cris Morales, diretora executiva da Raça Cia de Dança, manda um convite pra outros diretores, pra um encontro via zoom em 13 de novembro. O objetivo era entender se havia interesses comuns, que pudessem ser trabalhados, articulados, defendidos, pleiteados em conjunto. Os interesses são muitos, os diretores continuam se encontrando, e em abril de 2021 lançam o coletivo com o nome de Colegiado de Dança, que depois seria mudado pro atual Múltipla Cias de Dança SP.

O que mais cativa no Múltipla é como ele se dirige pra dança dentro de sua realidade prática. Estamos falando de artistas, técnicos, gestores, funcionários. Estamos falando de trabalho. Toda vez que esse assunto entra em discussão, sobrancelhas levantam, e eu sinto que alguém desmaia dramaticamente com o choque de pensar a arte como trabalho e fonte de renda. Mas é fato. Esse coletivo reúne companhias formadas por gente que decidiu viver de dança. Que decidiu trabalhar com dança.

As discussões incluem a promoção das próprias companhias; a articulação de públicos, de pautas, de apresentações; a manutenção e a renda de profissionais da dança; a continuidade dos grupos; as políticas públicas para a dança. Ouvir o outro, olhar o outro, pensar colaborativamente: uma questão de conhecer e compartilhar aquilo que é feito.

Ano passado, o coletivo esteve envolvido, junto de outros diversos grupos dos movimentos da dança, na elaboração do Projeto de Lei, protocolado em dezembro, que propõe a criação do Programa Movimenta Dança SP e Auxílio Viagem, uma proposta de fomento e apoio para a dança de caráter bastante amplo, tentando contemplar múltiplos agentes culturais. Já prometi em colunas anteriores, mas acompanharemos de perto essa tramitação por aqui.

No final de 2021, e agora em 2022, o Múltipla propôs eventos de apresentações e visibilidade de seus membros. É um outro ângulo sobre a dança. Um jeito de fazer que marcou outros momentos históricos de integração e coletividade. Um jeito que contraria gerações de visão competitiva, separatista, individual. Que se apresenta em cena, mas que continua fundamentalmente pra além da cena, nas formas de gestão e colaboração entre os grupos. Vêm ai novas colaborações: no final de abril, comemorando o dia da dança, tem eventos reunindo cias do Múltipla em Diadema, mas também nas Fábricas de Cultura, e na Casa MovA.C. Vale a pena acompanhar.

Em coletivo não se anda sozinho. E o múltipla insiste na potência de chegar em novos lugares com os seus. Com aqueles que entendem que a dança é uma atividade artística e profissional, é trabalho, é arte, encanta plateias, e também sustenta famílias. Não se diminui por isso, pelo contrário, se amplia. A união faz isso de aumentar as coisas. E a possibilidade dessa união é imensurável. Ela é múltipla. Como a nossa dança.


Atualmente, integram o Múltipla: Adverso Coletivo (Dir. Fabio D’Albert); Anacã Cia de Dança (Dir. Edy Wilson e Helô Gouveia); Cia de Dança Anderson Couto (Dir. Anderson Couto); Cia de Dança de Ubatuba (Dir. Brisa Diamante); Cia Flamenca Ale Kalaf (Dir. Ale Kalaf); Cia Kahal (Dir. Henry Camargo); Cia Paulista de Dança (Dir. Adriana Assaf); Cisne Negro Cia de Dança (Dir. Daniele Bittencourt); Coletivo de Sonhos (Dir. João Pirahy); Companhia de Danças de Diadema (Dir. Ana Bottosso); Conceito Urbano (Dir. Eliseu Corrêa); Discípulos do Ritmo (Dir. Frank Ejara); Galpão 1 Erika Novachi Grupo de Dança (Dir. Erika Novachi); Grupo Divinadança (Dir. Andrea Pivatto); Intuição Cia de Dança (Dir. Vinicius Anselmo); Laboratório da Dança (Dir. Fernanda Araújo); Projeto Mov_oLA (Dir. Alex Soares); Núcleo Tentáculo (Dir. Liliane de Grammont); Raça Cia de Dança (Dir. Cristina Morales e Renan Rodrigues); São Paulo Cia de Dança (Dir. Inês Bogéa); e Sopro Cia de Dança (Dir. Roberto Amorim e Tatiana Portella).

 

* Henrique Rochelle é crítico de dança, membro da APCA, doutor em Artes da Cena, Professor Colaborador da ECA/USP, e editor do site Outra Dança

*Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete a opinião do Portal MUD.

Henrique Rochelle

Henrique Rochelle

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Crítico de dança, Doutor em Artes da Cena (Unicamp), Especialista em Mídia, Informação e Cultura (USP), fez pós-doutoramento na Escola de Comunicações e Artes (USP), onde foi Professor Colaborador do Departamento de Artes Cênicas. Editor do site Outra Dança, é parecerista do PRONAC, redator da Enciclopédia Itaú Cultural, Coordenador do método upgrade.BR de formação em dança, e faz parte da Comissão de Dança da APCA desde 2016.