MURAL DA DANÇA

Quem dança os males espanta? A dança e as suas contribuições para o cuidado da saúde mental

Imagem: Obra de Caren Van Herwaarden de 2005-2009 | Terça, 26 de Setembro de 2023 | por Gabriel Paleari |

Vira e mexe eu me pergunto: qual é a melhor forma de expressar as nossas emoções? Essa é com certeza uma das dúvidas mais frequentes em nosso dia a dia. E não é ao acaso que repetimos essa pergunta, afinal, compreender o fluxo constante de emoções e influências externas que nos irrompe e, ainda responder a altura, é uma tarefa muito cansativa.

Mas por que estou falando isso? Experimentar novas formas de se expressar parece ser tarefa para artistas em geral, mas isso é algo inerente à nossa humanidade e também é uma maneira de nos comunicarmos. Gostaria de chamar atenção para a forma como pensamos e agimos, pois no mês em que estamos, essa pergunta ganha um peso diferente.

O Setembro Amarelo é um movimento de conscientização para a saúde mental, e entre a dificuldade para se expressar, e o vazio da incompreensão de si, sentimentos devastadores são gerados. Porém, a dança poderia contribuir para uma melhor expressão dos nossos sentimentos?


Quando o corpo fala por inteiro:

Desde os anos 90 aqui no Brasil, a dança contemporânea inicia um novo processo metodológico que enriquece muito a compreensão do que seria aprender sobre a dança, ou melhor, o que seria dançar. Esse movimento foi chamado de educação somática.

A dança somática pode ser entendida como técnicas que são utilizadas para compreender e conscientizar o corpo, desenvolvendo uma sensibilidade através da percepção do movimento. O que quero ressaltar dessa prática é o trabalho centrado em ampliar a própria singularidade, ou seja, são formas de apropriar conhecimentos intrapessoais, afinando a nossa escuta do corpo.

Essa “escuta” do corpo (termo que pego emprestado do Klauss Vianna e suas aplicações e contribuições com a dança somática), nos sugere uma imagem que nos ensina uma outra forma de conexão e compreensão sobre si e os outros. É como se a partir do momento em que entende o seu corpo pelo espaço, entende também o peso e a presença dos outros ao seu redor.

A dança somática nos incentiva a compreender sobre um termo da neurociência chamado de propriocepção, este pode ser explicado como a nossa capacidade de compreender a percepção do corpo em reconhecer a passagem do tempo, localização espacial e até mesmo a força que exercemos ao mexer os músculos. Também conhecida como cinestesia, essa percepção nos ajuda a entender e gerenciar os sentidos internos, assim, praticamos a dança antes de nos movimentarmos, criando movimentos entre os movimentos.


E quando falamos? O corpo também conversa?

Se por um lado temos a propriocepção como uma forma de compreensão sobre si, na psicanálise, a fala é uma forma de cura e também de escuta. O que quero relacionar entre esses dois conceitos é a capacidade e força que a consciência e a associação livre têm sobre a nossa saúde mental.

Quando Freud vai sistematizar a psicanálise, conclui que a fala é o processo principal da cura do sujeito, é claro que entre essa prática existe uma série de conceitos associados que forma toda a ciência psicanalítica. Mas o que quero focar é sobre o poder da livre associação. Ao falar, entramos em contato com imagens, representações complexas, até mesmo dizemos uma coisa de um jeito que não calculamos. Para Freud, essa livre associação tem origem visual, acústica e cinestésica.

Em terapia, quando o silêncio invade, o corpo grita; os gestos expressam tanto quanto as palavras, e até mesmo quando dizemos, as palavras que falamos podem não representar o tanto que queremos dizer. Esse movimento ambíguo tem dois caminhos: a do falar, mas também o de se escutar. A livre associação é um rio que mergulhamos e compreendemos um fluxo contínuo das nossas ideias.


Mas, afinal, a dança então pode contribuir para a saúde mental?

Entendendo a propriocepção como uma camada fina que, exercitada, contribui para uma percepção mais aguçada para a vida; na dança, essa prática nos leva a expandir nossa movimentação, a entender nosso corpo, nossas articulações, a espacialidade e assim, compor movimentos mais conscientes. Por outro lado, falamos da fala, uma prática que para Freud, pode ser de associação livre mas que nasce do nosso inconsciente e sensações.

Existe uma relação intrínseca da livre associação que Freud comenta, e com o que a dança somática nos ensina sobre o nosso saber singular. Está nessa “conversa conceitual” uma nova forma de compreensão de si, de entender e formular um entendimento que pode nos ajudar muito nos dias que as emoções estão tão intensas que a confusão mental nos domina.

Ou até mesmo, em dançar essa cólera e espalhar essa confusão para o corpo e ao nosso redor. “Quem dança os seus males espanta”, pode vir dessa sensação: a de compreender e expressar melhor os seus sentimentos. Assim, até a terapia pode se tornar um ensaio, e um ensaio uma espécie de terapia.

Eu sou o Gabriel Paleari, copywriter, dançarino e responsável pela Estranha Companhia de dança e, na minha opinião, a dança pode sim contribuir para a saúde mental, mas nada substitui ajuda especializada. Existem danças somáticas dedicadas a terapia e cuidado com a saúde mental, bem como clínicas psicanalíticas e de psicologia ideais para cada caso. Neste Setembro Amarelo, ouça e ajude amigos, parentes e colegas no que precisarem de ajuda e contribua também para um espaço com mais cuidado e empatia.

 

Bibliografia de apoio: 

MAGALHÃES, Marina Campos. Abordagens Somáticas na Formação em Dança: da secura do fundo ao currículo como cartografia. Revista Brasileira de Estudos da Presença, v. 13, p. e129382, 2023. 

SILVA, Jaqueline Barbosa Pinto; MILLER, Jussara. A dramaturgia de um puerpério: uma videodança a partir da Técnica Klauss Vianna. Urdimento: Revista de Estudos em Artes Cênicas, v. 3, n. 48, p. 1-29, 2023. 

SOUSA, Luciano Antunes Figueiredo. A associação livre em Freud: fundamento do tratamento psicanalítico. 2018.

Publicado por :



Gabriel Paleari

Ator, dançarino e pesquisador



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