MUSEU DA DANÇA

Previsões ou imprevisões para 2024? Prefiro as imprevisões 2024

Imagem: Michelangelo_Antonioni | Quinta, 18 de Janeiro de 2024 | por Nailanita Prette |

O que podemos esperar de 2024 para o mundo da dança? Uma das grandes dificuldades da contemporaneidade são as estipulações das previsões do futuro. Para não cometer o erro da cartomante do conto[1] de mesmo nome do escritor brasileiro Machado de Assis (1839-1908), se torna preferível não apostar no futuro e sim sentir o presente. A fim de não me isentar do jogo, a minha aposta é que ainda veremos narrativas, dramaturgias e estéticas alicerçadas nas questões políticas, fato que já vem sendo demarcado nas obras, principalmente levando em questão todas as crises humanitárias e novas configurações de mundo. Mas antes de tentar descobrir o novo, o que me interessa é sentir o que já está posto.

Nessa perspectiva, na tentativa de fabular sobre a dança em 2024, debrucei-me sobre “O Sentir” uma das obras de Mario Perniola (1941-2018), filósofo italiano, foi professor titular da cadeira de estética na Universidade de Roma, seus estudos são para além do eixo europeu reconhecidos em âmbito internacional. “O Sentir” foi traduzido para o português lusitano em 1993, a primeira edição escrita por M. Perniola data de 1991 cujo título em italiano“Del Sentire”. Mesmo após 31 anos de sua tradução mais próxima da língua brasileira - português, identifica-se ainda repercussões pertinentes e atuais. O interesse nessa obra surgiu, pois o que nos falta em arte é a fruição, o desejo de apreciar e trazer para a vida a manifestação artística e tentar significa-lá em algum lugar do nosso viver.

A leitura de “O Sentir” se faz contemporânea e aplicável a nossa época. Perniola nos apresenta um panorama do sentir calçado em sua área filosófica de dominância a estética e de como essa qualidade pode repercutir em todas as esferas da vida, desde as públicas as privadas, das afetivas até as políticas. Como o sentir ultrapassa a linha tênue entre arte, estética e vida. Com um breve, mas consistente panorama historiográfico a partir das artes da década de 60, época de grande efervescência artística, onde as relações privadas e sociais começam a formar um desenho unívoco, que se mantém e cada vez mais se solidificam, minha previsão apresentada acima está alicerçada nessa análise.

A partir de uma perspectiva palpável, no sentido de podermos espelhar em nossas experiências, o filósofo inicia sua explanação comparando o nosso modo de sentir com os dos nossos avós, vale pontuar que este texto é da década de 90, entretanto parto da defesa que podemos efetivar essa comparação na segunda década do segundo milênio. O filósofo apresenta os pontos de equivalência e distância nos modos de pensar entre as ditas gerações e consequentemente os modos de agir. A mudança ou transformação ocorrem não apenas nas formas, mas na qualidade, sensibilidade e na afetividade. No caso da fruição dos avós os acontecimentos, as apreciações eram fluidas como algo para ser sentido, experienciado com dimensão simbólica ocasionando afetos tais como o da alegria e dor, por exemplo. Para nós, os acontecimentos e apreciações se apresentam como algo já sentido e experienciado que repercute também nos afetos, mas no âmbito do determinado.

O sentir adquiriu uma dimensão impessoal, socializada e acumulativa, fato que repercute em outros aspectos como o pensar. Pensamos a partir do já pensado. A famosa interpretação, interpretamos a partir de algo que alguém já pensou por nós, não é a criação de ideias, mas sim a reflexão a partir do já digerido, para além da fruição em arte, esta característica é perigosa. No Brasil estamos vivendo uma época de grande efervescência política, onde em muitos casos podemos identificar o absurdo, como exemplo o período de ápice da COVID-19, pandemia que iniciou no ano de 2020, matou mais de 700 mil brasileiros[2], ouvimos interpretações em defesa de ideias absurdas, incentivando pessoas a não se vacinarem com argumentos ridicularizados até nos piores filmes de ficção científica, como “[...] vacinas são magnetizadas, possuem microchips e até mesmo grafeno [...]”[3]. Não se torna necessário deter um grande conhecimento na área da saúde ou em história da humanidade para ter a dimensão da revolução positiva que as vacinas proporcionaram: aumento da expectativa de vida, qualidade de vida, extinção de doenças e afins. O filósofo já apontava que o impedimento de cada um de se tornar consciente de sua real condição, aquela em que está inserido, consequentemente faz com que o sujeito siga ideologias, que para ele se encontram no âmbito do já sentido. É cirúrgico quando aponta que ironicamente nossa época não é a da ciência, mas a da ignorância. Sua tese pode ser confirmada a partir do exemplo supracitado das vacinas.

Mario Perniola nos auxilia a pensar e a colocar em cheque o nosso sentir. Até que ponto a pulsão de vida, da nossa vida, se faz presente para a nossa fruição de arte no mundo. E alimenta a indagação: será que um dia conseguiremos nos sentir a partir de nós? Apresenta relações com a mitologia grega, dentre elas destaco o mito de Narciso, amplamente estudado na psicologia e psiquiatria. Se para Narciso o mundo é um espelho a experiência do já sentido é o espelho em que nós olhamos o mundo. Ou seja, será que sempre faremos uma interpretação, assim como Narciso, a partir de um espelho? Ou pior, uma fruição através do espelho do outro, das instituições.

 

REFERÊNCIA

PERNIOLA, Mario. Do sentir. Tradução: António Guerreiro. 1ª edição. Editora Presença- Lisboa, 1993.


[1] “A Cartomante”, conto de 1884. Disponível aqui

[2] Disponível aqui

[3] Disponível aqui 

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Nailanita Prette

Mestre em Artes da Cena



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