MURAL DA DANÇA

O Sopro sobre o Pavor - um texto sobre a videodança Odoín, de Cynthia Domenico

Imagem: Cena da videodança Odoín | Segunda, 20 de Maio de 2019 | por Portal MUD |

Por Vanessa Hassegawa

A fala calma e extremamente precisa tem em seus gestos uma ventania de entornar samaumeiras milenares. Há um pouco mais de década, vi uma garota de belos cachos sentar-se ao meu lado em uma oficina de documentário teatral, no bairro da Luz, em São Paulo. Era impossível não notar o desejo voraz de desbravar o planeta daquela aluna, que já anunciava com bastante propriedade a sua linguagem artística então pouco popularizada entre os seus pares das artes cênicas: a videodança. 

A afinidade foi imediata e com o passar do tempo de trocas artísticas notei que as lentes eram seu suporte. A tecnologia era o jeito de conseguir atrair o seu público (como fez em Framing Body). A natureza se tornou o seu lar e a cura. O dom que reconheceu recentemente como profissional de terapia  holossistêmica. Ofícios se alinham muito bem a todo seu processo artístico.

Em sua mais recente realização, a videodança Odoín, a artista leva ao palco online duas metáforas sobre si: a artista da dança e a curandeira. A cada quadro, Cynthia remete de maneira onírica essa combinação que confunde o espectador sobre ser somente um registro de um passeio que poderia hoje tranquilamente ganhar views em 24 horas nas redes sociais ou se narra a história de uma garota que sonha em dançar entre cavalos. 

Para nossos olhos ansiosos da pós-contemporaneidade, queremos definir imediatamente e revelar o nosso gosto. De imediato, eu ouso dizer que é essa naturalidade nas opiniões que a Cynthia busca em seu público.

Para ela, o pop e o cult não são assuntos conflituosos e sim complementares. Tema tão valioso quanto Beyoncé plagiando Anne Terese de Keersmaeker  acidente positivo que deu à videodança um tom tão encantador quanto a um videoclipe mainstream.

Ao assistir essa dança de Cynthia lembrei também sobre o dia em que conversamos sobre a perda de nossas avós maternas. Ela me contou que próximo a desencarnar, sua avó a chamou para ver uma pequena caixa de guardados de desenhos de Cynthia, a artista encontrou rabiscos de uma menina que andava a cavalo no meio da natureza. “O que tenho dessa menina de cinco anos? Eu era uma menina da cidade grande, os cavalos não faziam parte do meu cotidiano, eu tinha medo deles!”, disse a artista. E em paralelo estudava hipismo e cogitava ainda conduzir sessões de Terapia na companhia desses animais enormes enquanto se despia do medo.

Com o passar dos anos, assim como na música de Iná Marina que embala a obra da artista,  Cynthia “riu da cara do medo”. Com o passar do tempo aquele sentimento se apequenou, e Odín, o nome do cavalo que a acompanha hoje em seus passeios pela cidade de Pardinho, conheceu a canção Odoín, uma coincidência, quase uma aliteração, que se ficcionou na videodança de raízes fortes e corajosas, difíceis de entornar com qualquer ventania que as ouse arrancar.

E assim, a cavalo, por meio de lentes de câmera e bom um sinal de Wi-Fi, a artista desbrava o planeta tão grande quanto os seus dons.

Avante, querida!

 

*Vanessa Hassegawa é jornalista, pesquisadora de videodança e curadora da mostra Prosa, Vídeo e Dança.




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