LABORATÓRIO DA DANÇA

Dança para o público infantil: novas possibilidades de diálogos

Imagem: Silvia Machado | Quinta, 11 de Outubro de 2018 | por Uxa Xavier |


O grupo Lagartixa na Janela, dirigido por mim desde 2011, cria performances para o público infantil, que acontecem em praças, parques e equipamentos culturais onde existem ações direcionadas à infância e à juventude.

A escolha em conceber danças nos e para os espaços públicos surgiu de alguns questionamentos: por que não criar e dançar nesses espaços? Por que não estabelecer, com as crianças e com quem passa por nós, novos diálogos, diferentes daqueles que vivenciamos em um teatro ou mesmo em uma sala de aula?

Com base nessas perguntas, iniciei, com as demais artistas do grupo Lagartixa na janela, uma caminhada/dança por vários espaços em diferentes cidades, criando pequenas aberturas nas estruturas urbanas tão enrijecidas, uma vez que, em geral, o espaço público tem uma ordem muito estabelecida, mesmo quando destinado, também, às crianças: para cada lugar, existe um modo de ocupação e uma função.

Criar uma dança movida por estados corporais de contemplação e delicadeza. Propiciar diálogos moventes entre performers e público, alimentando-se da potência do espaço como mediador das relações humanas/sociais. Investigar e evidenciar o universo da infância. Eis nossos objetivos, agora eixos, que estruturam nossas performances.

A contemplação é uma ação muito presente no universo infantil; é um momento onírico e potente que, apesar de muitas vezes ser confundido com a ação de “não fazer nada”, amplia a imaginação, seja qual for nossa idade. E, assim, há alguns momentos de nossas performances em que simplesmente estamos nesse estado de contemplar, de ver e de estar à toa no espaço, como andarilhos que caminham sem um objetivo de chegada, mas que criam percursos e partituras gestuais[1] que transportam o público para dentro dessa caminhada. Para a criança, esse transporte acontece pelo desejo espontâneo de movimentar-se e de compartilhar nossos percursos e partituras, dialogando conosco por meio da linguagem da dança, que é nosso texto, nosso verbo.

Contemplar e perceber um dançarino em movimento potencializa o imaginário de quem vê e frui a obra de dança. No primeiro momento da performance, o público nos contempla. Quando percebe que muitos movimentos que realizamos têm em sua origem o repertório de movimento da criança, ele entra em contato conosco com seus corpos em movimento. Essa é a nossa delicadeza, evitar situações de estranhamento, ou mesmo um sentimento de invasão ao espaço pessoal, afinal, o que move a performance é o propósito relacional: criar espaços de contato e relação com e nos corpos ali presentes.

O elemento espaço em sua potência é o nosso grande aliado. Mais que isso, é também nosso parceiro de trabalho com o qual precisamos estabelecer contato, construir um diálogo, enfim, uma relação. Trabalhamos com o que ele nos oferece em sua materialidade topológica – o terreno, suas texturas, declives, os possíveis enquadramentos com a paisagem – e com as interferências arquitetônicas ali presentes, as construções, as propostas de organização e as relações para ele propostas. O que nos propõe uma topologia ou uma determinada concepção arquitetônica? Como ou no que um espaço, configurado por essas relações, nos desafia? Essas perguntas nos instigam, como as crianças, a brincar de construir lugares e ambientes imaginários que se tornam espaços cênicos – onde estamos e por onde nos deslocamos. Assim, nascem as pequenas partituras de movimento que dançamos no espaço.

A dança é a arte do espaço em mutação infinita. Dançamos com e no espaço, e também com o que ele contém. Assim como as crianças, que ressignificam objetos e lugares para criarem jogos e suas moradas imaginárias, os gestos, as ações corporais que compõem as partituras de movimento nas nossas performances podem, por exemplo, transformar um banco em uma cama, em uma cabana, em um esconderijo ou mesmo em uma passagem. Não mimetizamos o repertório de movimento da criança; pelo contrário, ele é a fonte de nossa investigação para a criação. Nós nos inspiramos no universo da infância – na criança e na sua corporalidade – e devolvemos a elas nossas criações, para que sejam compartilhadas e, por elas mesmas, apropriadas.

E, para aproximar-nos do universo infantil, temos como vetor de nossas criações a noção de “criança performer”[2], aquela que é protagonista do seu estar no mundo e que transita entre o onírico e a realidade, uma criança gravitacional, em contato com uma dramaturgia que também gravita no espaço físico e imaginário de cada um que a contempla e dela participa, dançando, com seus corpos em movimento, poemas cinéticos.  


  [1] Organização dos movimentos na contextualização da composição.

[2] MACHADO, Marina Marcondes. A criança é performer. Educação & Realidade – FACED/UFRGS. Porto Alegre, v. 35, n. 2, 2010. p. 115-137.

 

 


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Uxa Xavier

Artista, diretora e professora



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