Quais são as suas vontades criando dança? E assistindo dança? Como essas vontades se encontram, se enfrentam?
Existe uma quantidade enorme de expectativas que o público tem sobre as danças a que assiste, e que os artistas têm sobre as danças que criam. O que você quer com a dança? Calma, beleza, apreciação, satisfação? Você quer choque, questionamento, provocação, pensar? Todos os desejos podem ser justos, mas nem sempre eles se encontram adequadamente.
Já estamos bem longe da resposta automática da arte como instrumento de beleza — essa é só uma possibilidade, assim como a arte como instrumento político, entre tantas outras. Nenhuma delas precisa ser absoluta, nenhuma delas precisa ser automática: não é a dança que tem que fazer isso ou aquilo, é aquela dança e aqueles artistas que decidem fazer isso ou aquilo.
A comunicação dessas escolhas para o público é essencial. O artista tem a possibilidade de fazer aquilo que acredita, e o público tem a possibilidade de decidir assistir aquilo que lhe interessa.
Numa aula há um tanto de tempo, discutia com os alunos os efeitos de danças que são feitas para nos atingir. Às vezes, de forma violenta, como um soco no estômago. Debatíamos o lugar difícil que isso cria para o público, de se dispor a ser nocauteado. Mesmo reconhecendo a força e a importância desse tipo de proposta, mesmo às vezes aceitando, ou até sentindo a necessidade de arte que causa esse tipo de incômodo, é certeza que não é todo dia que eu quero isso — que não é todo dia que eu dou conta disso.
Ir assistir a um espetáculo sem saber nada dele é uma armadilha perigosa pro público em geral. Tem sempre a chance das boas surpresas, dos encontros felizes. Mas a chance do desajuste também é imensa. Informação ajuda. Ajuda a escolher a dança que interessa praquela pessoa, praquele momento. A vantagem da quantidade imensa de produção que temos é justamente essa: tem dança pra todo mundo, pra todos os momentos — mas não é um vale tudo, a qualquer hora, pra qualquer um.
Se o artista tem necessidades comunicativas que expressa através das obras, o público também tem necessidades comunicativas que realiza no contato com essas obras. E nem sempre a história que um quer ouvir é a mesma que o outro quer contar. Esse match é importante. Falar com quem não tá disposto a ouvir é tão incômodo quanto a palestra que alguém te faz quando você só queria ouvir uma boa notícia.
Não existe uma só forma de fazer dança, nem uma só forma de assistir dança. E lidar com essa multiplicidade é um dos desafios do nosso campo. Porque demanda aceitação, mas, sobretudo, estratégias de comunicação. E ainda engatinhamos em achar meios de dizer pro público em geral o que é a proposta e a conversa que uma obra quer ter.
Talvez exista um receio de falar da proposta a acabar segmentando demais o público que chega à obra. Mas vale a pena fazer chegar um público que não esteja disposto a essa conversa? É claro que tem o espaço pra mudar de ideia. Mas me parece justo entender que assim como o artista precisa da liberdade pra criar as propostas que lhe interessam, o público precisa da liberdade — e da informação — pra escolher as propostas que lhe interessam. Porque quando o match dá certo, ai é que dá bom.
* Henrique Rochelle é crítico de dança, membro da APCA, doutor em Artes da Cena, Professor Colaborador da ECA/USP, e editor do site Outra Dança.
*Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal MUD.